História do Povo de Santo Tirso na Revolução Portuguesa (Colibri),

Dia 25 em Santo Tirso. No lançamento estará presente um dos mais belos grupos de música que ouvi no nosso país, chamam-se Aloe Bela.
Lançamento de História do Povo de Santo Tirso na Revolução Portuguesa (Colibri), 17 horas, átrio da CM de Santo Tirso.

Resposta a Irene Pimentel

Com resistência venho aqui responder a Irene Pimentel. Várias pessoas têm-se dirigido a mim constrangidas e com facis de pena mesmo, pelas afirmações que Pimentel feito sobre a Exposição de que sou curadora dos 45 anos do 25 de Abril. Perguntam se estará bem de saúde mas eu com o tempo aprendi a não tratar como doença a falta de carácter, e por isso sou implacável – até porque quando se tratam os outros como perturbados tendemos a perdoar, o que na verdade é só cobardia para enfrentá-los e evitar conflitos. E esse silêncio é um contributo para a indigência intelectual que, mais cedo do que tarde, nos afecta a todos. Numa palavra medo do debate contraditório – um mal de um país pequeno com uma elite minúscula.

Aqui vamos então. Não conheço as afirmações porque não leio o seu mural, nem tenho a ele acesso. Mas uma delas, segundo me disseram, é a de que existiria um erro de concordância entre a legenda de um nome de um preso político e a fotografia na Exposição presente no Palácio do Egipto em Oeiras. Ora, Pimentel é historiadora da PIDE e dos presos políticos, devia ter reparado que não há um mas vários «erros» de concordância, porque há dois quadros na Exposição, lado a lado, um com nomes, outro com fotografias e não há ligação entre ambos. Quisemos colocar uma lista nomes e uma lista fotografias de presos nos 45 anos da libertação destes presos.

Agora vamos ao essencial. A inveja, o pecado capital da mediocridade de parte, substancial, da intelectualidade portuguesa, que é também, por sermos pequenos, a vasta maioria dos que se propõem pensar o país e insistem em debater o acessório, o superficial, desde logo porque não dominam a teoria – IP escreveu vários livros sobre o Estado Novo sem conseguir em nenhum deles caracterizar o regime político (entre outras confunde fascismo com bonapartismo), muito menos pensou uma teoria do Estado, para IP o Estado resume-se à sua dimensão de coerção e não de produção de valor. O que dizer da “benevolência” com que viu a PIDE na tua tese de doutoramento até vir a historiadora Dalila Cabrita Mateus explicar que nas colónias havia outra PIDE, e que a PIDE na metrópole e nas colónias era parte do mesmo Estado.

Dediquei 20 anos a estudar a revolução, sou a autora com mais investigação cientifica, publicações e traduções no estrangeiro sobre a revolução. Pimentel podia ter entrado na Exposição e nos meus livros e debatido teses polémicas no campo da historiografia que assumi, desenvolvi, ou propus nas minhas obras: que a revolução portuguesa começa em 1961 nas revoluções anti coloniais, que a base dessas revoluções foi o trabalho forçado, que foi uma revolução, dos cravos, com mais mortos (110 mil ao todo entre os da metrópole e os das colónias); que o controlo operário começa antes do 11 de Março e leva ao 11 de Março, que o PCP não queria tomar o poder e que foi, a sua direcção, conivente com o 25 de Novembro, que as conquistas da revolução são realizadas por organismos de duplo poder (comissões trabalhadores e trabalhadores) contra o Estado, ao contrário da tese (bem defendida esta, de Boaventura Sousa Santos que defende que foram dentro do Estado), que o 25 de Novembro foi a contra revolução democrática que deu origem ao regime liberal actual, que não é por isso filho da revolução de Abril mas da contra revolução. Defendi, sustentado na maior investigação de números de greves, manifestações e protestos alguma vez aqui publicada (está na minha História do Povo) que a revolução dos cravos é uma das maiores do século XX e a maior da Europa do pós guerra. Tudo isto não é a palavra de Deus, pode e deve ser debatido no nosso campo. O que não podemos é andar a debater legendas – para isso não há entusiasmo, lamento.

Sem arrogância vos digo – com muita sinceridade – que todos os meses vou a universidades estrangeiras apresentar estas teses, e aí respiro de felicidade, e alegria mesmo, por estar entre pares onde se debate com uma intensidade e honestidade que raramente encontrei aqui. O que me leva sempre a pensar como foi importante ter decidido fazer uma carreira internacional, sem no entanto não deixar Portugal, porque se eu tivesse feito a minha carreira só aqui tinha uma altíssima probabilidade de ainda estar, com mais de 30 anos de carreira, como Irene Pimentel, a discutir, com veneno na boca, a legenda de uma fotografia, que ainda por cima…nem sequer é legenda.

Aproveito, para não terminar com igual vazio ao que vai na pena de IP, e deixo aqui um vídeo onde expliquei parte destas teses este mês na Universidade de Budapeste. Onde estive a debater o duplo poder e o controlo operário depois do 25 de Abril – isto numa conferência sobre os 100 anos da revolução húngara.

A história ofuscada pelo acaso: Rui Ramos e a Revolução de Abril como «um golpe de generais»

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As quase 40 páginas que o historiador Rui Ramos dedica à história do 25 de Abril na História de Portugal (Esfera dos Livros), por si coordenada, são marcadas essencialmente não pelo seu conservadorismo mas por uma narrativa que escolhe, com precisão cirúrgica, o acaso, o singular, o superficial e os torna testemunhos de uma tese implícita.

Vejamos alguns exemplos desta aleatoridade: sobre a participação popular no dia do golpe, a 25 de Abril de 1974, há um único testemunho, o de alguém que «não sabia o que estava ali a fazer». Para exemplificar o dia a dia de um militante de base durante aquele período, há um testemunho, o de um membro do PPD, partido que, recordemos, não existia quando do golpe. O PS era um pequeno núcleo de quadros, constituído em partido apenas em 1973 e o PCP e o conjunto da chamada extrema-esquerda teriam algo em torno de 3000 militantes cada. O PPD forma-se paulatinamente, a partir da antiga Ala Liberal da Assembleia Nacional marcelista, juntando as ‘forças vivas’ locais que não estavam demasiado comprometidas com o regime, e os seus membros não eram então representantes típicos de um militante do período.

O único testemunho que há da reforma agrária citado é o de um militante francês que diz que visitou uma cooperativa e «o trabalhador sente-se muito mais preso, condicionado, numa estrutura coletiva hoje do que antes na estrutura hierarquizada do patrão»[3], quando os testemunhos e as análises históricas com investigação deste processo – Fernando Oliveira Baptista[4], Constantino Piçarra[5], entre outros – dão conta, dentro de enormes dificuldades, é certo, da pressão dos trabalhadores para ocupação de terras para garantir trabalho o ano inteiro (e não menos de 200 dias por ano como no Estado Novo) e de uma dedicação às cooperativos que mobilizou milhares de horas de trabalho voluntário. Nesta «não revolução mas caos» dominada por generais também os militantes dominavam e manipulavam as assembleias. Exemplos? A Lisnave. Justamente o caso – um dos mais estudados de todo o processo, nos trabalhos, por exemplo, de Fátima Patriarca[6] e Marinús Pires de Lima[7] – em que se funcionava em plenário quase permanente e votação de braço no ar, por plenários em que muitas vezes o PCP foi contrariado (11 de setembro de 1974), e noutras a extrema-esquerda ficou em minoria perante o volte-face da assembleia (7 de fevereiro de 1975).

A teoria está aparentemente ausente da obra. Sucedem-se acontecimentos sem teoria, como se a ciência fosse a aparência com que os factos se apresentam, uma narrativa. Multiplica-se, em estilo pós-moderno, uma seleção e uso indiscriminado desses factos, como se a ciência não tivesse essência.

A tese central do capítulo de Rui Ramos é que a revolução começa por ser um golpe de generais com ambições políticas, usurpada por capitães que transformaram Portugal naqueles 19 meses num palco da guerra colonial, controlando Portugal como faziam na mata, fazendo ações psicológicas (campanhas de dinamização) sobre a população. A sucessão de acontecimentos da Operação Fim de Regime dá a entender que tudo estava sob controlo do regime – posto em causa «por generais com ambições próprias». As forças do MFA entraram em Lisboa, o povo não sabia do que se estava a passar nem quem estava a apoiar e 400 profissionais da GNR, se tivessem querido, teriam derrotado o MFA[8]. Rui Ramos defende que a impossibilidade de continuar a guerra foi uma opção dos generais, tendo aqui as ambições políticas jogado um papel fundamental[9]. As campanhas de dinamização do MFA têm a sua origem, nesta narrativa de Rui Ramos, na forma como era feita a guerra em África, uma guerra de campanha centrada nos capitães e com ação psicológica. O 25 de abril seria uma revolução de capitães com ações de dinamização.
Admite Rui Ramos que o MFA se transformou em «força dirigente do Estado»[10], mas, perguntamos nós, como acontece isso se os generais eram tão poderosos? Se o processo revolucionário se caracteriza pela manipulação das “massas”, e quer os generais quer os capitães estavam no controlo (e manipulavam) da situação, não se percebe porquê Marcelo Caetano, sitiado, com um cabo à sua frente, pede por favor para entregar o poder “pelo menos a um general”, o qual, aliás, será varrido do Governo cinco meses depois e expulso do País em março de 1975.
O facto de só dois generais terem ‘participado’ no golpe não se opondo a este, terem sido ultrapassados pelo MFA, ficando o País a conhecer as divergências entre Spínola e o MFA na própria noite de 25 para 26 de abril é irrelevante para o autor. A seguir ao 25 de Abril, os oficiais superiores e generais que tinham prestado homenagem a Marcelo Caetano em março, no famoso episódio da «brigada do reumático», são enviados para a reserva.

É sabido que a interpretação depende dos factos e a seleção destes, da interpretação. É conhecido também que a história coloca, com base em teorias e metodologias, limites a esta relação – não foi a URSS que invadiu a Alemanha, foi a Alemanha que invadiu a URSS; não foram chineses que desembarcaram na Normandia, foram americanos, ingleses, franceses, canadianos… Eric Hobsbawm[11], num conhecido ensaio, desconjunta esta elasticidade pós-moderna que não vê limites à utilização dos factos.
Escreve Rui Ramos que «a Junta aboliu a censura, extinguiu a DGS, cujos agentes foram detidos em massa (em julho, estavam presos cerca de 1000), libertou os presos políticos (85 no Forte de Caixas e 43 no de Peniche), e suprimiu a ANP, a Legião e a Mocidade»[12].
Houve muitos acontecimentos naqueles dias que dependeram da Junta ou por ela foram fortemente influenciadas (composição do Governo, ida de Caetano e Tomás para o exílio) e houve outros que, embora na aparência tenham tido a atuação da Junta, não dependeram dela. O que aconteceu foi que em alguns destes acontecimentos a JSN decretou sobre um facto contra o qual ela estava, provavelmente por ponderar que a relação de forças entre as várias frações sociais não lhe era favorável. A população destruiu a sede da censura e obrigou, sob protesto popular e dos próprios presos[13], à libertação destes na sua totalidade. E depois, na Madeira[14], o povo manifestou-se publicamente contra Tomás e Caetano, forçando a saída destes mais rápido da ilha. Nos casos citados por Rui Ramos, a JSN nada fez sobre o que já estava feito. No caso de Caetano e Tomás, a Junta conseguiu ser preponderante, deixando ambos sair do País sem julgamento.

Afirma Rui Ramos que «O Estado arrogara-se o poder de substituir as direções de empresas privadas»[15]. Imaginamos, porque o texto neste campo se limita a esta frase, que o autor se esteja a referir à intervenção do Estado nas empresas. Na verdade, o Estado inicialmente opõe-se à maioria das ocupações, e muitas vezes os próprios sindicatos também. O Estado chega a enviar militares para as impedirem e, perante a sua inevitável generalização, fruto da descapitalização de empresas e da consequente ameaça de despedimento, o Estado homologa um decreto de intervenção[16], o DL 637/74, de 20/11.
Escreve Ramos que o povo no dia 26 abril participa do processo, porém a 25 desconhecia o que se passava. Concordamos com o autor quando diz que o processo do golpe é um processo essencialmente militar, com origem no regime. Portanto não resultou, como afirmava o PCP, de um «levantamento nacional de massas»[17] devido ao atraso do País, mas de uma crise dentro da direção do regime, provocada pela derrota na guerra. Porém, é indiscutível que a participação popular é imediata e começa logo a 25 de Abril, e esse facto não pode ser iludido pelo testemunho de um transeunte que «não sabia o que se estava a passar».
O primeiro comunicado das forças armadas é pouco antes das 4 da manhã da noite de 24. Seguem-se 10 comunicados do MFA[18], quase de duas em duas horas, a pedir ao povo «para ficar em casa». As ordens não são acatadas. No Quartel do Carmo, onde há milhares de pessoas, bem como em todas as ruas de Lisboa, nem os pedidos de Salgueiro Maia, nem os de Francisco Sousa Tavares fizeram a população, no dia 25, desmobilizar. Haverá mesmo disputas com o Ministério do Trabalho para que não sofram represálias os milhares de trabalhadores que não vão trabalhar no dia 25 de Abril porque, nesse dia, estiveram em manifestações ou simplesmente nas ruas a celebrar a liberdade.

Ramos escreve que a GNR poderia ter evitado o golpe. É um exercício com perigos para os historiadores – o contrafactual. «Se» e o que «teria acontecido» é especulativo. O facto é que a GNR não resistiu. Porquê? Os documentos que temos indicam que esta considerava que resistir era um ato destrutor. No dia 25 de Abril os rádios intercetam uma conversa da GNR. Por volta da uma da tarde, os militares da Guarda queixam-se de que: «Estudantes e rapazes estão a atingir à pedrada as nossas forças (…) temos urgentemente de tomar providências.» Às 15.35: «Estamos completamente cercados. (…) Deram-nos 10 minutos de ultimato.»[19]

Uma versão desenvolvida deste artigo foi publicado no meu livro História do Povo na Revolução Portuguesa (Bertrand)

A história ofuscada pelo acaso: Rui Ramos e a Revolução de Abril como «um golpe de generais»

Pour une histoire populaire de la Révolution portugaise. Entretien avec Raquel Varela

Pour une histoire populaire de la Révolution portugaise. Entretien avec Raquel Varela

Le 25 avril 1974, ce qui ne devait être qu’un putsch militaire permettant de renverser la plus vieille dictature d’Europe se transforma presque immédiatement en une révolution démocratique et sociale, qui dura plus d’un an et demi, jusqu’au coup d’arrêt du 25 novembre 1975. Rendue possible par les luttes de libération nationale dans les colonies portugaises (Angola, Mozambique, Guinée-Bissau), l’insurrection dirigée par les « capitaines d’avril » ouvra ainsi une période de forte instabilité politique et de luttes sociales intenses, donnant naissance à des commissions auto-organisées dans les quartiers, les entreprises et l’armée. Selon Raquel Varela, auteure d’une Histoire populaire de la Révolution portugaise, c’est une véritable situation de double pouvoir dont le Portugal a été le théâtre entre le 25 avril 1974 et le 25 novembre 1975, avec notamment le développement du contrôle ouvrier sur les lieux de travail, et il a fallu un coup d’Etat mis en œuvre par la bourgeoisie pour engager un processus contre-révolutionnaire et faire reculer progressivement le prolétariat portugais.

 

 

Avant d’entrer davantage dans le détail, que représente la Révolution portugaise d’un point de vue général selon toi ? Quelle est sa signification historique ?

La Révolution portugaise est l’une des principales révolutions du XXe siècle, peut-être également la plus méconnue dans la mesure où la bourgeoisie cherche à faire oublier qu’en Europe, dans la seconde moitié du XXe siècle, il y a quarante ans, un peuple a exproprié une partie de la bourgeoisie, qui a alors fui le pays. Il n’y a pas eu une usine occupée mais 300 ! Et il a été nécessaire de créer un Etat social, de concéder de nombreuses conquêtes sociales, pour calmer ce peuple. D’une certaine manière, il s’agit de la première révolution du XXIe siècle dans la mesure où elle n’a pas été dominée par les secteurs paysans mais par les travailleurs organisés.

Il faut rappeler en outre que cette révolution n’a pas commencé ici [à Lisbonne] mais s’enracine en premier lieu dans le travail forcé en Afrique et dans le premier soulèvement, dans le nord de l’Angola, de travailleurs forcés des plantations de coton de l’entreprise Cotonang, dont les capitaux étaient belges et nord-américains. Ils lancèrent une grève en janvier 1961 qui fut réprimée par l’armée portugaise au moyen de bombardements au napalm. Certains disent que la Révolution portugaise est une révolution sans morts ; c’est évidemment faux car il y eut 13 années de morts. Et cela confirme au passage un pronostic de l’Internationale communiste (IC), mais qui ne se réalisa que rarement, à savoir la transposition en métropole des révolutions anticoloniales. Cela signifie que, de même qu’on ne peut séparer la situation pré-révolutionnaire de mai 68 en France de la guerre d’Algérie, de même que l’effondrement du Watergate est indissociable de la défaite états-unienne au Vietnam et de la révolution vietnamienne (ces guerres de libération étant révolutionnaires dans la mesure où elles sont appuyées par les masses, donc irréductibles à des mouvements militaires), de même la Révolution portugaise ne saurait être comprise sans la lier aux mouvements de libération nationale en Angola, au Mozambique et en Guinée-Bissau.

La Révolution portugaise est une authentique révolution : non une simple situation pré-révolutionnaire mais une situation révolutionnaire, c’est-à-dire une situation dans laquelle l’Etat entre dans une crise profonde et dans laquelle se généralise une situation de double pouvoir, de dualité de pouvoirs. Plus de trois millions de personnes, autrement dit plus d’un tiers de la population, sont investies dans des commissions de travailleurs, d’habitants (moradores) ou de soldats. Mais il n’y eut à aucun moment une unification, un Soviet unificateur. Il y a bien un double pouvoir qui parvient à s’organiser régionalement, par exemple à Setubal où émerge un Soviet, un « comité de lutte » qui contrôle toute la ville qui se situe dans l’une des principales régions industrielles du pays. Il y a également des embryons d’organisation de double pouvoir à Lisbonne et à Porto, mais on ne trouve à aucun moment un Soviet unificateur à un niveau national.

Cette situation révolutionnaire n’est pas seulement une conséquence des révolutions anticoloniales ; elle en est une partie, plus précisément le deuxième acte des révolutions anticoloniales. Or cet aspect n’a pas véritablement été pris au sérieux par l’historiographie portugaise officielle, parce que dans le récit que cette historiographie a construit, le Portugal doit sa liberté aux militaires du MFA [Mouvement des forces armées]. C’est vrai : les militaires du MFA furent l’agent de la transposition de la révolution anticoloniale vers la métropole, en organisant un coup d’Etat le 25 avril 1974 pour mettre fin à une guerre qu’ils ne voulaient plus mener. Et ce coup d’Etat a effectivement créé les conditions d’un processus révolutionnaire. La preuve en est que, dès le 25 avril, se formèrent des commissions de travailleurs/ses, nés du besoin ressenti par les travailleurs/ses, sur leurs lieux de travail, de discuter de ce qui venait d’arriver. Ils créèrent donc des soviets, dans le sens d’organismes de dualité de pouvoir, de pouvoir indépendant. C’est cela le grand fait de la Révolution portugaise.

Le vide laissé par la dictature a évidemment joué beaucoup : il n’y avait ni syndicats ni partis, et ces commissions dont je viens de parler se sont formées à partir de ce vide. Mais en dernier ressort cela ne fut rendu possible que grâce à l’action révolutionnaire des paysans noirs, et il est très douloureux pour un pays blanc et colonial de se rappeler qu’il doit sa liberté à des paysans noirs. C’est pourtant un fait.

 

Tu insistes beaucoup dans tes travaux sur une dimension centrale de la Révolution portugaise, généralement oubliée au profit d’une focalisation sur l’insurrection militaire et le MFA, à savoir la combativité qui s’est exprimée de manière massive et radicale sur les lieux de travail dès l’amorce de la Révolution portugaise le 25 avril 1974. Pourrais-tu revenir sur ce point ?

Effectivement, les grèves furent très importantes. Elles paralysèrent à plusieurs reprises Lisbonne, Porto, Setubal, les principales zones industrielles du pays, etc., en particulier durant la période allant de mai 1974 à juin 1975. L’importance de ces grèves est multiple. Elle tient dans le blocage de la production, qui est une dimension évidemment cruciale parce qu’elle met en grande difficulté le Capital. Mais cet aspect ne permet pas de comprendre pleinement la force des grèves dans la Révolution portugaise. L’autre dimension centrale, c’est que ces grèves furent majoritairement décidées et organisées dans le cadre d’assemblées générales et de commissions de travailleurs. Il s’agissait de grèves qui, très souvent, incluaient des revendications socialistes, par exemple le contrôle sur les comptes de l’usine, etc. Donc ces grèves allèrent souvent bien au-delà de revendications strictement syndicales et exprimèrent une politique de classe, une politique révolutionnaire.

Il y eut également des grèves de solidarité, mais aussi de très nombreuses grèves afin d’exiger l’exclusion de personnes liées à la police politique de l’ancien régime [la PIDE]. Cette dimension est toujours présente dans la Révolution portugaise : celle-ci fut plus radicale car elle fut accomplie contre une dictature. Les travailleurs se mobilisèrent parfois bien davantage pour le renvoi de personnes qui avaient dénoncé des personnes à la PIDE, que pour des revendications salariales. Apparaît ainsi une dimension de dignité qui est très importante dans l’action des travailleurs durant la Révolution portugaise. Et je pense que nous aurions tout intérêt, en tant que marxistes, à intégrer davantage cette dimension à notre réflexion, y compris dans la situation actuelle. Les travailleurs ne vivent pas seulement de pain et, en conséquence, les moyens de contrôle de la classe ouvrière, les atteintes à la dignité, etc., tout cela apparaît dans les grèves qui éclatent durant la Révolution portugaise. On trouve par exemple des grèves dans le secteur des transports durant lesquelles les travailleurs refusent de faire payer les tickets aux travailleurs.

Il y a ainsi un saut immense dans la conscience de classe : tout le monde parle de socialisme au Portugal à ce moment là. Même la démocratie chrétienne disait que le socialisme était inévitable. La référence au socialisme figure d’ailleurs encore aujourd’hui dans la Constitution [votée en 1976]. La Révolution fut si radicale qu’elle bouscula toute la société portugaise.

 

Une autre particularité de la Révolution portugaise, ce sont les commissions d’habitants qui se mirent en place très rapidement après le 25 avril. Dans quelle mesure ces commissions ont-elles contribué à l’émergence d’une situation de double pouvoir ?

Les commissions d’habitant-e-s ont constitué d’authentiques « organes de décision locale ». Elles ont émergé presque immédiatement comme structure de décision locale, agissant comme un pouvoir parallèle face aux mairies en recomposition. Ces dernières ont été largement occupées par le PCP et le MDP/CDE (front du PCP) – le PCP va d’ailleurs résister durant tout le processus à des élections générales locales [les premières n’auront lieu qu’en décembre 1976], malgré les pressions du PS – mais elles ont peu de pouvoir en matière d’habitation (logement, espaces culturels, etc.) et il y avait une forte tension autour de ces questions. Les mairies finirent par servir davantage à la recomposition de l’Etat – et comme source de cadres et de financement pour les principaux partis (essentiellement, du coup, pour le PS et le PCP), plutôt que comme organes de gestion des lieux de vie, dans la mesure où cette gestion était assumée par les commissions d’habitant-e-s en articulation quasi-directe avec le pouvoir central et le MFA. Il y eut des formes variées de coordination des commissions d’habitant-e-s, mais elles furent les premiers organismes de double pouvoir à se coordonner, avant même que les commissions de travailleurs/ses parviennent à mettre en place des formes de coordination1. Comme tous les organismes de dualité de pouvoir dans les processus révolutionnaires, ils ont été traversés par des luttes politiques pour leur direction, associées à un programme. La majorité des revendications portées par les commissions d’habitant-e-s consistaient en mesures d’urgence : droit au logement (en maintenant les populations dans leur logement ou leur quartier) ; infrastructures ; crèches ; installations sanitaires. Ces commissions étaient organisées par quartiers – et pas nécessairement sous une forme administrative, comme dans le cas des paroisses (freguesia)2 – et avaient donc une dimension qui associaient des formes de solidarité ou de conflit, mais hors des lieux de travail.

 

Un chapitre de ton Histoire populaire de la Révolution portugaise porte sur le rôle des femmes dans la Révolution…

Oui. La première chose qu’il faut dire, c’est que – peut-être curieusement – les femmes ont d’abord agi dans le cadre de la Révolution en tant que travailleuses. Quand a lieu l’insurrection militaire en 1974, il y a déjà au Portugal un taux d’emploi féminin élevé. En conséquence la plupart des femmes sont des travailleuses et elles vont avoir une influence déterminante dans les usines et plus généralement dans les entreprises. Très souvent, elles vont même se situer à l’avant-garde. Et dans les commissions d’habitants ! Dans la mesure où ces commissions posaient les questions du logement, du foyer et du quartier, qui traditionnellement étaient prises en charge par les femmes, ces dernières vont être la principale force motrice des commissions d’habitants. Mais dans le même temps elles sont souvent ouvrières. Et ce n’est pas par hasard si c’est durant la Révolution portugaise que les femmes sont pour la première fois amenées à tenir des piquets de grève, notamment dans le cadre de luttes pour empêcher les patrons en fuite de partir avec les machines.

Il y eut donc une grande évolution dans la condition des femmes : les femmes ne pouvaient pas voter, n’avaient pas le droit de divorcer, n’avaient pas accès aux carrières diplomatiques, etc. Il y a un bond en avant de ce point de vue. (On pouvait voter si l’on était chef de famille, ce qui ne concernait que les veuves…). Mais le féminisme ne fut pas très fort pendant la Révolution portugaise. Je dirais qu’ici a joué le poids d’une société agraire arriérée. Le droit à l’avortement a seulement été conquis au Portugal en 2007. Il n’y eut pas un mouvement féministe fort pendant la Révolution portugaise, et pourtant elle fut une avancée pour les femmes. Il y eut des tentatives visant à défendre l’égalité salariale, mais il s’agit d’une révolution dont la base était ouvrière, associée de manière étroite à la question du contrôle des usines, au secteur industriel, que les questions touchant spécifiquement les femmes ne purent véritablement émerger : la plupart des femmes qui participèrent le firent pour l’essentiel dans le cadre de mouvements en faveur du contrôle ouvrier.

 

Mais il y eut également des initiatives et des mouvements très importants et radicaux dans des secteurs non-industriels…

Oui, tout à fait : dans les banques, les assurances, les services, l’éducation… Dans l’éducation, tout était paralysé ; il y eut d’ailleurs des validations généralisées à l’Université. Un des acquis les plus importants de la Révolution portugaise est l’enseignement unifié : jusqu’à 16 ans, les enfants de pauvres comme de riches devaient bénéficier de la même éducation. Les enfants du peuple ne devaient plus être sélectionnés à 10 ans pour devenir ouvriers, comme cela se passait au temps de l’Estado Novo [dictature salazariste]. L’idée était ainsi d’éviter la reproduction sociale. Il faut également mentionner ici le mouvement général de nationalisation et de gestion démocratique des hôpitaux, coordonné essentiellement par des médecins militants, le mouvement étudiant, mais aussi les mouvements de femmes et écologistes.

 

Quel a été le rôle de l’Eglise catholique dans le processus révolutionnaire, et plus largement quelles furent les relations entre justement l’Eglise, la bourgeoisie et les fractions dominantes de l’armée (dont Spinola) ?

Les catholiques progressistes se sont tenus du côté de la Révolution. L’Eglise en tant qu’institution, à l’inverse, a été un des piliers de la contre-révolution et de l’organisation du coup d’Etat du 25 novembre 1975, engagée directement dans les mobilisations de masse qui ont suivi ce coup d’Etat. En réalité l’Eglise a été impliquée dans toutes les initiatives organisées pour déstabiliser et en finir avec la Révolution, y compris dans des courants terroristes d’extrême droite pratiquant la lutte armée contre la Révolution portugaise, comme l’ELP [en français l’armée de libération du Portugal]. On pourrait citer ici le cas exemplaire de Conego Melo [de son vrai nom Eduardo Melo Peixoto], de Braga, qui fut un haut dirigeant de l’Eglise et un leader terroriste. Mais il y eut également des catholiques progressistes très radicalisés par le processus révolutionnaire, ainsi que des prêtres révolutionnaires.

 

Comment expliquer que la formation de comités de soldats ait été si tardive et est-ce que cela a joué d’après toi un rôle important dans la défaite de la Révolution portugaise ?

Je pense que cela tient au fait que le MFA a organisé le coup d’Etat du 25 avril 1974 qui a fait tomber l’Estado novo, et donc l’armée était dirigée, jusqu’à la radicalisation de la Révolution durant l’été 1975, par les officiers intermédiaires. La conséquence, c’est qu’il a fallu beaucoup de temps aux soldats pour comprendre la nécessité de s’auto-organiser plutôt que d’accorder leur confiance au MFA. Or c’est un fait qu’une bonne partie des soldats, lors du coup d’Etat du 25 novembre ont été renvoyés chez eux et que les officiers et sous-officiers révolutionnaires ont été arrêtés.

Le dernier bastion de pouvoir de l’Etat, d’équilibre au niveau des institutions – le MFA – s’était donc rabougri, ouvrant un espace à la dualité de pouvoirs dans les casernes du côté des soldats. Les assemblées d’unité étaient déjà une expression de cette dualité, mais en lien avec les officiers. Affirmer que les commissions de soldats – clandestines ou non, organisées ou non – disposaient d’un faible pouvoir, c’est ne pas comprendre les cris d’alarme que poussèrent tous les cabinets du pays, et que Pinheiro de Azevedo [officier portugais promu amiral pendant la Révolution, Premier ministre de septembre 1975 à juin 1976, leader du parti démocrate chrétien à partir de 1976] résuma dans une phrase flamboyante. Irrité, il dit devant les caméras de télévision : « La situation est comme elle était : on organise d’abord des assemblées, ensuite on obéit aux ordres ! »3.

Le sixième gouvernement provisoire, formé sur la base du PS et du PSD [Parti social-démocrate, principal parti de droite], avec seulement un ministre du PCP, se retrouvait face à un pays qui semblait incontrôlable, où les ordres qui arrivaient étaient soumis à un examen minutieux dans les entreprises, les quartiers et les casernes. « On organise d’abord des assemblées ! ». Cette dualité de pouvoirs a été qualifiée dans l’historiographie d’ « indiscipline militaire » ou de « crise politico-militaire ». Ce sont des concepts insuffisants pour saisir l’essence historique du processus. Dans de nombreuses unités (sans que l’on puisse savoir exactement dans combien, une étude complète restant à réaliser), les ordres donnés au sein des Forces armées étaient remis en cause et le MFA ne parvenait déjà plus à agir comme discipline alternative ; il ne s’agissait plus seulement d’Assemblées démocratiques d’unité4 mais d’une insubordination qui gagnait les strates les plus basses des Forces armées, les soldats. Mario Tomé, de la Police militaire, rappelle que les commissions de soldats commencèrent à exister avec force suite à la scission du MFA, et qu’elles disposaient d’une influence dans toute l’unité : « les commissions de soldats étaient le noyau révolutionnaire au sein des troupes armées, plus précisément dans les troupes de gauche »5. Cette dualité de pouvoirs, qui constitue l’essence d’un processus de démocratisation dans la structure nodale de l’Etat, était soutenue par plusieurs dizaines d’officiers du MFA, qui furent emprisonnés suite au coup du 25 novembre 1975. Selon l’un de ces militaires, Antonio Pessoa, cette attitude des militaires radicaux s’est affirmé surtout en réaction à la « dissolution des unités militaires » décidée par le Conseil de la Révolution après Tancos6.

La Révolution commence donc sous une forme un peu étrange, en tout cas ici dans la métropole, avec un coup d’Etat organisé par les officiers intermédiaires. Dans d’autres pays, l’armée fut le creuset de coup d’Etat fascistes, comme au Chili, mais au Portugal les sous-officiers firent un coup pour démocratiser le pays. Mais d’un point de vue théorique, la Révolution portugaise confirme les écrits marxistes classiques : elle part des colonies puis se déplace vers la métropole, et c’est une révolution démocratique qui immédiatement se transforme en révolution sociale. Le 25 avril, les gens vont sur les lieux de travail et se demandent ce qui se passe : « ah, il y a un coup pour faire tomber la dictature ? Allons tous appuyer la fin de la dictature ! ». C’est la première chose que les gens font, la chose qui les mobilise le plus : la fin de la police politique, la fin de la répression, la fin de la presse unique, etc.

Donc dès le 25 avril le sujet social de la Révolution est là : les travailleurs. Et dès le 26 avril les travailleurs se disent qu’ils devraient s’unir et s’organiser pour des augmentations de salaires. Mais comment obtenir des augmentations de salaires ? En occupant les usines. Et comment éviter les licenciements ? En reprenant les usines qui ont été fermées par leurs propriétaires. Et comment trouver l’argent pour faire tourner les usines ? En nationalisant les banques, en expropriant la bourgeoisie. Donc il y a tout un processus d’évolution de la conscience des travailleurs au cours du processus historique de la Révolution.

 

Il y a eu des débats au sein de la gauche radicale autour de la caractérisation du processus : s’agissait-il d’une situation prérévolutionnaire ou d’une révolution sociale proprement dite ?

Il y a une certaine tendance dans les groupes trotskistes à se référer systématiquement à un petit texte de Trotsky de 1931 qui s’intitule « Qu’est-ce qu’une situation révolutionnaire ? », où il indique que, pour que l’on puisse parler d’une situation révolutionnaire il faut qu’un parti révolutionnaire ait émergé, sinon nous serions face à une situation prérévolutionnaire. Mais toute l’œuvre de Trotsky a consisté à honorer les situations révolutionnaires comme irruption des masses sur la scène politique et une crise de l’Etat, un processus de décadence nationale. Et cela correspond étroitement à ce qui se joue dans la Révolution portugaise, qui est l’une des révolutions les plus radicales du XXe siècle. Le fait qu’il n’y ait pas eu un parti politique révolutionnaire n’implique pas qu’on ne puisse pas parler d’une situation révolutionnaire. Cela signifie simplement que la Révolution n’est pas parvenue à vaincre, parce que personne n’eut la capacité d’unifier les organismes de double pouvoir. Cela est vrai.

Il y avait au contraire un parti stalinien extrêmement puissant, contre-révolutionnaire, qui pensait que le Portugal était dans l’ordre de Potsdam, et donc que les grèves devaient être contrôlées et réprimées. Ce fut ce que le PCP défendit durant toute la période. Il est difficile de trouver une seule grève que le PCP a soutenue (j’ai réalisé ma thèse de doctorat sur la politique du PCP pendant la Révolution portugaise). Cette révolution fut faite contre l’ordre de Potsdam, contre le PCP, et contre la social-démocratie. La plus grande somme d’argent transférée vers l’étranger en 1974 et 1975 par le SPD [parti social-démocrate allemand] le fut vers le Parti socialiste portugais. Or, la grande défaite de la Révolution portugaise ne fut pas le produit d’un coup d’Etat militaire dans le style de Pinochet au Chili. Il y a bien un coup d’Etat militaire le 25 novembre 1975 mais ce fut essentiellement le produit d’une offensive civile s’appuyant sur la social-démocratie. Les Etats-Unis virent qu’ils n’étaient pas suffisamment puissants ici pour faire un coup d’Etat classique, dans la mesure où les militaires, du moins ceux du MFA, étaient opposés aux forces de droite. Ils devaient compter sur la social-démocratie.

Malgré tout cela, et dans un pays pourtant très arriéré, fondé sur une économie encore largement agraire, il a fallu 19 mois aux classes dominantes pour reprendre le contrôle de la situation, et même avec ce coup d’Etat du 25 novembre 1975 les banques furent expropriées, la bourgeoisie fut expropriée, un Etat social a été construit, un système de santé s’est mis en place, l’enseignement a été unifié, etc. Mais le plus important c’est sans doute cette expérience historique qui a été faite par la classe ouvrière. Ce fut 24 heures par jour de militantisme politique pour la majorité de la population portugaise, qui se posait collectivement la question des crèches, de l’éducation, de la santé publique, etc. Il y avait des journaux avec des assemblées générales quotidiennes. Jamais il n’y eut un tel degré d’activité politique chez autant de gens : il s’agit bien de la plus importante période de démocratie de notre histoire. Et un des plus grands exemples de démocratie en Europe et dans le monde moderne, avec ces commissions de travailleurs et d’habitants, avec des délégués élus à mains levés, avec des mandats révocables, etc. Et cela a fonctionné !

 

La question que l’on peut se poser, quand on t’entend, c’est finalement comment une telle révolution, avec un tel niveau d’auto-organisation de sa population, a pu être vaincue sans une répression violente comme au Chili, sans ces massacres de masse auxquels la bourgeoisie nous a habitués face à des soulèvements révolutionnaires ?

Je pense que cette défaite est la combinaison de nombreux facteurs. Un premier facteur, c’est qu’une partie de la classe ouvrière avait obtenu des conquêtes immenses durant la Révolution. S’était constitué tout un secteur intermédiaire qui appuyait beaucoup l’idée d’une voie social-démocrate pour le pays. Ce n’est pas la raison principale mais c’est malgré tout un point important. Une autre raison, c’est que l’extrême gauche, qui contrôlait les principales unités militaires de Lisbonne, ne parvint jamais à s’unifier. Il y avait des organisations d’extrême gauche mais il n’y eut pas l’émergence d’un parti révolutionnaire durant la Révolution portugaise. Il n’y eut pas non plus de soviet unificateur.

Mais la principale raison, c’est que ce qui fit la force initiale de la Révolution, à savoir le fait qu’il n’existait pas véritablement de partis et de syndicats constitués, a fini par devenir sa faiblesse. Quand la Révolution portugaise éclata, le PCP n’était pas un parti puissant : c’était un parti de seulement 2000 militants. Le PS n’existait pas. L’année suivante, le PCP dispose de 100 000 militants, et le PS 80 000. Ce sont des partis qui, en se constituant, vont développer des appareils importants, avec beaucoup de cadres, beaucoup de militants. Et l’extrême gauche, même si elle s’est également développée pendant la Révolution portugaise, est restée extrêmement dispersée. L’extrême gauche s’est par ailleurs concentrée sur l’intervention dans les commissions de travailleurs et d’habitants, les organismes de double pouvoir, alors que le PCP se consacrait pour l’essentiel sur la construction de syndicats qui acquièrent rapidement un poids important, en termes de concertation sociale. Et sans capacité à unifier le mouvement, le PCP a fait comme s’il n’y avait pas eu un coup d’Etat [le 25 novembre 1975]. L’état de siège est instauré. Des milliers de militants se rendent dans les casernes pour demander des armes, et personne ne sait quoi faire : il y a une désorganisation généralisée, une absence totale de coordination. Il manque donc une coordination politique et stratégique dans le processus révolutionnaire.

 

Peux-tu décrire l’état de l’extrême gauche durant la Révolution portugaise et les débats stratégiques entre les différentes organisations ?

Il y avait de nombreux maoïsmes, différentes souches : chinoise, albanaise, etc. On trouvait également des organisations guévaristes, en particulier le PRP-BR [Parti révolutionnaire du prolétariat-Brigades révolutionnaires], avec lequel le SWP [Socialist Workers Party] anglais a entretenu des relations. Il faut également mentionner des organisations conseillistes centristes, comme le MES. Les trotskistes étaient très peu nombreux et très jeunes, comme d’ailleurs étaient jeunes la plupart des membres d’organisations d’extrême gauche. Globalement la majorité de ces organisations sont nées dans la foulée du conflit sino-soviétique et de mai 68. Les débats stratégiques principaux avaient trait au PCP, au PS et au gouvernement (surtout au MFA). Devait-on appuyer la voie de la guérilla (le SWP anglais soutenait le PRP-BR), faire de l’entrisme au PS (les morénistes ne furent pas loin d’adopter cette politique durant l’ « été chaud » de 1975, qui fut depuis toujours celle des lambertistes), et la LCI soutenait une alliance MFA-PCP, qui était considérée par les morénistes comme bonapartiste et « front-populiste ».

 

Qu’en est-il du MRPP ? Il s’agissait, dit-on, de la principale organisation d’extrême gauche avant et pendant la Révolution, mais avec une politique de division… 

Oui, ils appliquaient la théorie du social-fascisme selon laquelle l’Union soviétique (donc le PCP) était l’ennemi principal. Mais il leur est arrivé d’adopter des positions correctes, dans la mesure où le PCP est au gouvernement, ils n’appuyèrent aucune mesure gouvernementale, donc la plupart du temps ils se trouvèrent du côté des travailleurs en lutte. Mais cela les amena également à soutenir le coup militaire du 25 novembre, au nom de la lutte contre le PCP et contre l’URSS. Il faut avoir en tête que le gouvernement ne cesse pas, pendant la Révolution portugaise, d’essayer de contenir le mouvement ouvrier. Il y eut 4 coups d’Etat et 6 gouvernements provisoires en 19 mois ! La Révolution portugaise a constitué une telle radicalisation que les gouvernements n’ont pas cessé de tomber. La bourgeoisie eut ainsi de grandes difficultés à maintenir et à faire fonctionner l’appareil d’Etat. Celui-ci ne s’effondre pas mais il est en crise permanente.

 

Peut-on dire que la contre-révolution du 25 novembre 1975 a mis fin à cette crise de l’Etat ?

Dans l’armée, oui ! Les commissions de soldats sont dissoutes, les officiers révolutionnaires sont emprisonnés et les soldats radicalisés sont renvoyés chez eux. Le coup du 25 novembre 1975 réussit donc à en finir avec la dualité de pouvoirs dans les casernes, qui était le produit d’un processus de soviétisation des forces armées engagé à partir de la crise du MFA. Le MFA avait joué le rôle de garant de l’armée, entre les soldats et les officiers. Quand le MFA entre en crise, et là il y a eu là dessus un grand débat entre mandélistes et morénistes [deux courants du trotskisme au niveau international] concernant le caractère révolutionnaire ou progressiste du MFA et dans quelle mesure il fallait le soutenir, il y a ce processus de soviétisation des forces armées que le coup du 25 novembre, comme je l’ai dit, va stopper brutalement. Mais il ne met pas fin à la dualité de pouvoirs dans les usines, dans les entreprises en général et dans les écoles. Cela va nécessiter un processus lent. Il n’y a pas de contre-révolution immédiate dans l’ensemble de la société (contrairement à ce qui se passe dans l’armée) : la contre-révolution, comme la révolution, est un processus. Par exemple, la contre-réforme agraire est mise en œuvre en 1979-1980. La défaite du mouvement ouvrier a lieu en 1984.

Dans un livre récent, Para onde vai Portugal [Où va le Portugal ?], je défends pour la première fois la thèse que la Révolution portugaise a reporté la contre-révolution néolibérale dans toute l’Europe. Le grand plan néolibéral est consécutif à la crise de 1973. Les premières grandes grèves de mineurs en Angleterre, alors que Thatcher est déjà ministre [de l’Education] ont lieu en 1973. La Révolution portugaise va conduire à une convulsion sociale en Espagne et en Grèce, et la bourgeoisie européenne craint alors une contagion en France et en Italie. Donc la Révolution portugaise reporte la mise en place des plans néolibéraux (flexibilisation du marché du travail, etc.) à la fin de la crise de 1981-1984. De mon point de vue, elle a joué ce rôle là, lié à l’effet de contagion, craint par les classes dirigeantes de France et d’Italie, deux pays centraux en Europe. Le mai 68 français a eu écho dans le monde entier, mais la Révolution portugaise aussi. Elle modifie complètement le rapport de forces en Europe, provoquant une peur très forte du côté de la bourgeoisie. Et la doctrine Carter va s’inspirer de la Révolution portugaise. Plus généralement, toutes les révolutions ont des effets au niveau mondial.

 

Pourrais-tu dire quelques mots de la géographie de la Révolution portugaise. Il y eut un développement très inégal du processus révolutionnaire d’une région à l’autre : la Révolution fut beaucoup plus avancée à Lisbonne, ou a fortiori à Setubal, que dans le Nord par exemple et dans certaines zones rurales…

Oui, c’est d’ailleurs la raison pour laquelle il serait aujourd’hui plus facile de faire une révolution qu’en 1974-1975, notamment parce qu’à présent la prolétarisation est massive. C’était moins le cas à l’époque, où 30 à 40% de la population était agraire, et qui se caractérisait par une mentalité agraire, petite-bourgeoise, très attachée à la petite propriété, etc. Il faut noter que la force électorale d’un tel groupe ne correspond pas nécessairement à sa force sociale : à eux seuls, les 7000 ouvriers de la Lisnave [entreprise de construction et de réparation navale] à Lisbonne ont mis en échec une loi sur la réglementation des grèves, qui était une loi contre les travailleurs en 1974. Mais 7000 ouvriers de la Lisnave ne sont rien électoralement face à 700 000 de petits paysans perdus au milieu de nulle part. Les révolutions s’accordent mal avec les processus électoraux : non pas parce que les révolutions ne sont pas démocratiques, mais parce qu’elles défendent une autre vision de la démocratie, qui a partie liée avec l’organisation collective sur les lieux de travail, et non une démocratie fondée sur le principe abstrait « un homme un vote », qui fondamentalement déforme la force sociale.

 

Qu’est-ce ce qui demeure de la Révolution portugaise dans la vie politique du pays ?

Il y a une mémoire extrêmement forte de la Révolution. D’abord le 25 avril est un jour férié et, du nord au sud du pays, on commémore la Révolution. Cette mémoire est d’autant plus vive qu’une grande partie des acteurs de cette révolution sont encore vivants. Ce qui reste, fondamentalement, dans la mémoire collective, c’est que ce fut possible. C’est cela le cauchemar historique de la bourgeoisie portugaise : il y a un moment où ils ont dû fuir le pays, et ils savent que si cela est arrivé une fois, cela pourrait arriver à nouveau.  Ce que j’aimerais voir, pour ma part, ce sont ces secteurs de la société qui aujourd’hui sont à la retraite aidant les jeunes générations à s’organiser, leur montrant comment on peut s’organiser. Il s’agit là d’un des grands problèmes de la société portugaise : c’est une société qui depuis 40 ans est fondée sur un pacte social, sur la concertation sociale, et elle ne sait pas s’organiser en vue du conflit. La plupart des gens ne savent pas s’organiser pour entrer en conflit.

 

Il n’y a pas eu de transmission de ce point de vue là…

Non. C’est d’ailleurs l’un des axes de mon argumentation dans Para onde vai Portugal ? : il y a une coupure générationnelle entre la génération de la Révolution et celle du pacte social. Je pense que cela est lié au fait que les jeunes ont été précarisés et donc rendus dépendants de leurs parents, obligés d’habiter chez eux jusqu’à 30, 35 voire 40 ans. Pour eux, la lutte de classes disparaît en partie parce qu’ils ne peuvent participer aux luttes dans l’usine ou plus largement dans l’entreprise. Ils gagnent 500 euros, ce qui est évidemment insuffisant pour vivre dignement de manière indépendante. Mais cela est fini : la société portugaise va vers de grands conflits sociaux parce que les parents ne peuvent plus véritablement soutenir leurs enfants comme ils le faisaient auparavant. Cette aide apportée par les parents a eu pour effet de dépolitiser deux générations, celles des années 1980 et 1990. Les jeunes de ces générations n’ont plus vu le travail comme un cadre de conflits où l’on doit se battre pour faire respecter ses droits : ils étaient à la maison.

 

J’aimerais que l’on termine sur les débats historiographiques autour de la Révolution portugaise, que l’on imagine forts. Quel est pour toi le principal débat qui structure cette historiographie ?

Il y a effectivement un débat extrêmement fort. Fernando Rosas, un historien de gauche, défend l’idée que la démocratie est la fille de la Révolution. Je défends pour ma part une thèse différente, à savoir que la démocratie représentative fut le produit de la défaite de la démocratie ouvrière. On trouve également des historiens contre-révolutionnaires, comme Rui  Ramos ou Antonio Costa Pinto, selon qui la Révolution est une espèce d’erreur historique : elle n’était pas nécessaire parce que la société portugaise était en train d’évoluer vers la démocratisation. C’est un exercice contrefactuel, mais la vérité est que la société portugaise n’évoluait pas vers une transition démocratique. Il a fallu une révolution pour que s’installe une démocratie représentative. Je pense que nous avons « gagné » ce débat dans les secteurs académiques parce que nos travaux de recherche sont mieux fondés. Aujourd’hui il est très difficile de nier l’ampleur et la radicalité du mouvement social durant la Révolution, ou d’affirmer que le MFA contrôlait tout, ou encore que la Révolution fut une « révolution sans morts », que le PCP voulait prendre le pouvoir, etc. Toutes ces thèses ont été marginalisées.

 

Propos recueillis et traduits par Ugo Palheta.

 

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  • 1.Miguel Pérez, «Comissões de moradores», in Dicionário Histórico do 25 de Abril, Porto, Figueirinhas, no prelo.
  • 2.Pérez, Miguel, «Comissões de moradores», in Dicionário Histórico do 25 de Abril, Porto, Figueirinhas, no prelo.
  • 3.20 novembre 1975, Archives de la RTP.
  • 4.Les Assemblées démocratiques d’unité (ADU) ne doivent pas être confondues avec les commissions de soldats. Il s’agissait d’organes démocratiques comportant 50% de soldats et 50% d’officiers, sous le contrôle indirect du MFA. Malgré l’absence d’études spécifiques sur les ADU, tout indique qu’elles ont été des espaces de conflit au sein des Forces armées, davantage que les organes institutionnalisées sous le contrôle strict et direct du MFA. 50% de soldats, ce sont « une pierre dans la botte des officiers ».
  • 5.Entretien avec Mário Tomé e Francisco Barão da Cunha réalisé le 11 novembre 2011.
  • 6.Entretien avec António Pessoa réalisé le 29 novembre 2011. Tancos désigne ici l’assemblée qui, durant la crise du MFA, modifia la composition du Conseil de la Révolution, réalisé à Tancos le 5 septembre 1975, pour rendre ce Conseil plus favorable à la droite et isoler les secteurs pro-PCP ainsi que la « gauche militaire ».
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25/04/2016 – 10:28

A revolução dos Cravos

Deixo aqui a referência dos livros que publiquei sobre a revolução dos cravos. E também, em acesso livre na Internet, alguns artigos académicos que escrevi sobre a revolução, bem como um conjunto de resenhas sobre os livros, para quem estiver interessado. 3 dos livros são obras colectivas.
Greves, Direitos Laborais e Direitos Sociais na Revolução dos Cravos
http://www.e-publicacoes.uerj.br/…/artic…/viewFile/7566/5502
“Um, dois, três MFA…”: o Movimento das Forças Armadas na Revolução dos Cravos – do prestígio à crise
http://www.scielo.br/pdf/rbh/v32n63/19.pdf
MOVIMENTOS SOCIAIS NA REVOLUÇÃO PORTUGUESA
http://historiadelpresente.es/…/files/con…/pdf/38/varela.pdf
“Primeiro Fazem-se Plenários e Depois é que se Cumprem as Ordens” Crise Político-Militar na Revolução dos Cravos
http://www.uss.br/…/v13n12011/pdf/001_primeiro_fazem_se_ple…
O 25 de Abril, a Espanha e a História´
http://analisesocial.ics.ul.pt/…/1218723890G5eWH3fu3Yr67BM1…
http://www.ifch.unicamp.br/…/arquivo…/resenha166resenha3.pdf
http://www.ipri.pt/publicaco…/revista_ri/…/RI34_Rec03_CC.pdf
http://www.historia-actual.org/…/…/article/viewFile/1110/964
https://periodicos.ufsc.br/…/…/1984-9222.2014v6n11p283/28611

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O fim das dita

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A nossa festa pá

O povo votou em massa nas eleições para a Constituinte, durante a revolução, tal como votava nas fábricas e empresas por um caderno reivindicativo, como votava em assembleias de todos os tipos, muitas vezes contra o que tinha sido aprovado pelos Governos, seis Governos, aliás não eleitos. A começar por coisas tão centrais como a lei restritiva do direito de greve, de Agosto de 1974, que nunca foi cumprida, como não foram acatados os repetidos apelos para que gente sem casa não ocupasse casas, tivesse “calma”, ou “contenção nas reivindicações salariais”.

A palavra mais usada nas eleições de 1975 foi democracia — de acordo com um estudo publicado. Mas, para uns, democracia significava controlo operário; para outros, co-gestão entre sindicatos e Estado em empresas com intervenção estatal; para outros, a não expropriação da banca… Uma revolução é um processo complexo. Em 1974 e 1975 havia, como nunca, projectos políticos alternativos em confronto.

A democracia começou no dia 25 de Abril de 1974 e não no dia 25 de Abril de 1975. Começou com horas infinitas de reuniões onde as pessoas comuns se inteiravam das questões de trabalho, produção, habitação e gestão e votavam de braço no ar, em comissões, com representantes, revogáveis a qualquer momento caso desrespeitassem os resultados dos plenários massivamente participados. Nunca tanta gente decidiu tanto na História de Portugal como em 1974 e 1975. As tentativas de controlo do aparelho de Estado por parte do PCP (IV Governo) e por parte do PS (VI Governo), que existiram efectivamente, não têm nenhuma ligação com a democracia que vigorava nas empresas e nas fábricas e que foi cada vez maior ao longo de 1975, colocando sucessivamente em causa medidas de Governos que jamais foram eleitos. Estado e revolução não andaram de mãos dadas. Essa é a tese central do meu livro. A revolução e as suas conquistas não dependiam do controlo do aparelho de Estado por parte do PCP ou do PS, mas da criação de um poder alternativo na base da sociedade: trabalho, bairros de habitação e quartéis.

Aquilo que começou a 25 de Abril como um golpe de Estado foi a semente de uma revolução social (que imprime mudanças nas relações de produção), encetada como uma revolução política democrática (que muda o regime político). Esta revolução democrática não esperou sequer pelas eleições para a Constituinte: em poucos dias ou semanas, foi quase totalmente desmantelado o regime político da ditadura e substituído por um regime democrático. Foi a última revolução europeia a colocar em causa a propriedade privada dos meios de produção. Isso resultou na transferência, segundo dados oficiais, de 18% do rendimento do capital para o trabalho, o que permitiu o direito ao trabalho, salários acima da reprodução biológica (acima do “trabalhar para sobreviver”), acesso igualitário e universal à educação, à saúde e à segurança social.

Há uma enorme crise do Estado, mas este não colapsa, nomeadamente porque os poderes paralelos que se criam durante a revolução nunca chegam a desenvolver-se e a coordenar-se nacionalmente para serem uma alternativa viável de poder — essa é uma das explicações para a facilidade com que a direita faz o golpe de 25 de Novembro de 1975. E as nacionalizações são justamente parte contraditória desse processo — o controlo operário na banca e o risco de que esses capitais ficassem sob poder dos trabalhadores leva o Estado a impor a sua nacionalização. Esta medida provocou largos debates na sociedade entre quem defendia que as nacionalizações representavam o avanço da revolução (PCP) e quem defendia que os bancos deviam estar sob controlo dos trabalhadores (não só os partidos de esquerda radical, o próprio João Martins Pereira, num documento que elabora para a Secretaria de Estado da Indústria). De facto, e não em palavras, significaram a preservação dos capitais sob a ordem capitalista, protegidos pelo Estado. Não há uma crise geral de Estado quando este mantém controlo sobre os capitais (o investimento), mas esta foi a maior crise de Estado na Europa do pós-guerra porque nem na França de 1968, na Grécia de 1974 ou na Espanha de 1976 a dualidade de poderes foi tão longe como no Portugal de 1975.

A derrota da revolução começa a partir de Novembro de 1975 com a imposição da “disciplina”, isto é, da hierarquia, nos quartéis, mas consolida-se através de um processo de “contrarrevolução democrática” (teoria da “transição democrática”, segundo a politologia de inspiração liberal), estratégia que irá ser aplicada na Espanha franquista e depois em toda a América Latina nos anos 80. Portugal é o primeiro exemplo de sucesso de uma revolução derrotada com a instauração de um regime de democracia representativa que, para se impor, teve de pôr fim à democracia de base, nomeadamente nos quartéis, nas fábricas, nas empresas, nas escolas e nos bairros.

A imagem dos cravos nas espingardas e o facto de quase não ter havido mortos na metrópole em 25 de Abril de 1974 são-me simpáticos (houve quatro mortos sob as balas da polícia política). Mas o MFA não derrubou a ditadura com cravos. Foi com tropas e carros de combate na rua. Uma revolução é conflito. A ligação entre os 13 anos de guerra nas colónias e o 25 de Abril é um facto crucial.

Hoje, este nosso passado revolucionário — quando os mais pobres, mais frágeis, quantas vezes analfabetos, ousaram agarrar a vida nas mãos — é uma espécie de pesadelo histórico das actuais classes dirigentes portuguesas. Tanto é assim que mantém-se a insistência de, nos 40 anos da revolução, celebrar-se apenas o 25 de Abril, esquecendo que esse dia foi o primeiro dos 19 meses historicamente mais surpreendentes da história de Portugal. E que Portugal foi, ao lado do Vietname, o país mais acompanhado pela imprensa internacional de então, porque as imagens das pessoas dos bairros de barracas sorrindo de braços abertos ao lado de jovens militares barbudos e alegres encheu de esperança os povos de Espanha, Grécia, Brasil… E de júbilo a maioria dos que aqui viviam. Uma das características das fotos da revolução portuguesa é que nelas as pessoas estão quase sempre a sorrir. Não por acaso, Chico Buarque cantou: “Sei que estás em festa, pá.”

História do Povo na Revolução Portuguesa

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Para quem puder/tiver tempo uma reflexão especial sobre o meu livro História do Povo na Revolução Portuguesa, que me fez aprender mais do meu ofício, por exemplo, como Rebeldes Primitivos, que estudei e sobre o qual fiz trabalhos há mais de uma década, de facto influenciou o meu mais querido trabalho, e o mesmo para um espírito do tempo do pensamento crítico de uma geração, a minha, que teve o privilégio de fazer história sem o peso das polémicas abertas pelo mecanicismo das correntes pró soviéticas…e muito mais. Por Betto della Santa.

«A perspectiva conhecida como a história social e do trabalho, inspirada esta no horizonte da historiografia de baixo deve, e muito, a um determinado marxismo de fala inglesa. Esse tipo de história, mais freqüente nos anos 70, foi cada vez mais sendo substituído por histórias políticas e institucionais. O trunfo do trabalho de Raquel, inclusive, foi o que lhe proporcionou daí uma das conquistas intelectivas mais importantes desta opera, qual seja, a nova cronologia from below do Portugal revolucionário. As datações arbitrárias de atos de governo e diretivas de Estado foram, ora, postas sob nova luz histórica, vis-à-vis às iniciativas dos movimentos e às reivindicações de classe.

Portugal, quando o impossível foi inevitável

A revolução dos cravos foi a última revolução social europeia. Ela surpreendeu por diversas razões, entre elas a extensão do controlo operário, muito diferente da auto-gestão. Foi a partir do seu estudo, dialogando com os trabalhos que vinham do estudo de outros processos revolucionários (russo, alemão, húngaro) que propus na História do Povo na Revolução um conceito de controlo operário. Foi uma tentativa num terreno relativamente pouco estudado e mais difícil por isso. Essa procura teórica veio da constatação de que algures entre Fevereiro de 1975 algo tinha mudado em Portugal e nas fábricas, empresas, escolas tinha-se generalizado um comportamento que não era de co-gestão, de auto gestão mas de uma duplicidade de poderes nos locais de trabalho que recusava conscientemente a gestão da propriedade e colocava no seio da fábrica e empresa o questionamento do próprio poder, do Estado. Esse capítulo foi publicado na revista NIEP da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e agora traduzido para o castelhano, aqui em acesso livre. A partir do controlo operário propus uma mudança na periodização histórica da revolução – o 11 de Março não acelera só a revolução, ele é acelerado por esta e as nacionalizações não são uma representação da força do Estado, antes disso são também um reflexo da perda de força desse mesmo Estado. As nacionalizações vão tirar força ao controlo operário, disseminado, também no sector bancário, e dominante no sector metalomecânica, grandes unidades industriais. Tenho consciência dos limites e insuficiências da conceptualização que propus, de um terreno que conheço bem ao longo do século XX e que prima por poucos autores terem sobre isto reflectido, deixando-nos mais perdidos. É portanto uma definição que sofrerá muitas críticas e modificações, ainda assim, fundamental para compreender a transformação histórica.

O artigo em castelhano está em acesso livre neste link

«Controlo operário é um processo de dualidade de poderes que consiste na organização política dos trabalhadores ao nível da produção – formalizada ou não – com vista a tomar o poder político. É uma situação no processo de luta no meio de um processo revolucionário e não uma estrutura ou instituição. Haver controlo operário é parte da definição do próprio conceito de um período como sendo. Este fenómeno específico distingue-se da autogestão (forma em que os trabalhadores passam a ser patrões de si próprios) e da cogestão (os trabalhadores estão, normalmente através dos sindicatos, a gerir a empresas e/ou fábricas em parceria com os patrões e/ou com o Estado).

É comum ver também em algumas obras a associação entre controlo operário e situações de duplo poder organizadas, não reconhecendo estes autores a existência de controlo operário por não haver formas de organização conselhistas estruturadas (sovietes). Cremos que esta visão é equivocada porque em determinadas situações o controlo operário pode ser mais forte que a dualidade de poderes a nível político, ou seja, a disrupção na produção no setor económico pode ser muito mais extensa do que a crise do Estado. Foi esse o facto que se verificou na revolução portuguesa, mas também em outros processos de controlo operário como com os cordões industriais chilenos ou os conselhos no biénio rosso italiano.

(…) Em Portugal, em 1974-75 usava-se controlo operário indefinidamente para «participação na gestão», «publicidade dos vencimentos» e controlo sobre a produção e as organizações políticas e sindicais batalhavam para que a expressão controlo operário adquirisse significados diferentes consoante a estratégia política. Durante 1974-1975 estes conceitos entrelaçam-se e atropelam-se porque a luta política, nas fábricas e empresas, evoluiu de forma igualmente intrincada. Como vimos, quase dia a dia várias empresas podiam passar de um estágio de conflito democrático (perseguição do informador da PIDE) para um de ocupação, o Estado intervir nessa empresa e pouco depois ela ficar em autogestão, ou a autogestão começar antes da intervenção, e mais tarde, ou antes, a questão do controlo operário ter sido colocada, e logo depois evoluir-se nessas fábricas para propostas de ligação embrionária do controlo dessa fábrica a outras do mesmo ramo ou setor.

Sendo ainda possível, até provável, que nessa mesma empresa ou fábrica, para manter o exemplo, se tenha travado uma luta política diária entre os que defendem a manutenção da propriedade e/ou controlo do Estado, e portanto formas de cogestão, os que defendem a necessidade de uma “batalha da produção” sem questionar a propriedade, argumentando com cogestão ou autogestão no sentido de concretizar esta proposta, os que acreditam na autogestão e desenvolvem mecanismo técnicos de controlo da produção, mas à margem da política da “batalha da produção”, e os que, num processo de controlo operário, procuram um enquadramento nacional e político de controlo das empresas que imponha a disrupção total do Estado.

(…) Movidos por interesses de ordem democrática (garantia das liberdades), os trabalhadores exercem pressão nas empresas com vista a determinar a composição da administração (saneamentos). Os trabalhadores, no sentido de forçarem essa mudança, organizam-se em comissões de trabalhadores de forma quase espontânea. Essa forma organizativa permite colocar o caderno reivindicativo de tipo económico no centro das atividades das comissões de trabalhadores, ao juntar, de forma assembleária, sujeitos sociais cujo interesse comum era a melhoria das condições e relações laborais. Este encontro de um sujeito social, agora unificado na comissão, vai determinar uma evolução da consciência política (também por influência de jovens quadros da esquerda radical e por incapacidade do regime, num quadro de profunda recessão, evitar o crescente desemprego). A luta por esse caderno reivindicativo tende a desenvolver-se como luta política que aparece como forma de garantir as reivindicações de caráter laboral.

Surge assim, numa segunda fase, a partir de fevereiro de 1975, o controlo operário, uma situação de luta política e questionamento do poder do Estado, organizado na base da fábrica ou empresa, para conseguir concretizar as reivindicações económicas. Este controlo ao nível da fábrica não é alheio ao desenvolvimento do controlo ao nível do bairro, realizado pelas comissões de moradores (ver capítulo sobre as comissões de moradores).»

Quadro 15– Evolução do controlo operário na Revolução dos Cravos – Fonte História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-1975 (Bertrand, Lisboa, 2014)

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Social Conflicts in the Portuguese Revolution 1974-1975

Foi publicado na Labour/Le Travail canadiana o artigo meu e da Joana Alcântara, Social Conflicts in the Portuguese Revolution 1974-1975. Este foi também o último número da prestigiada revista dirigida por 17 anos pelo magnífico historiador Bryan Palmer. Nele têm acesso aos dados de evolução do número de greves, ocupações, manifestações, que levantámos para o livro História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-1975 (que aí foram publicados) e a partir dos quais propusemos mudar a periodização da revolução dos cravos, colocando as nacionalizações, o verão quente e o fim do IV Governo como consequência do controlo operário que se iniciou em Fevereiro de 1975 e a resposta ao 11 de Março spinolista como uma tentativa do Conselho da Revolução (uma solução semi bonapartista em que parte do MFA, do PCP e do PS tiveram um papel central) em travar este controlo operário. No artigo – e no livro – podem ser lidos também os números e factos que nos levam a concluir que os organismos de duplo poder se coordenaram com muito mais extensão do que até tinha sido colocado – em cidades como Setúbal atingiu mesmo a criação de um Estado-cidade paralelo, em que o Estado não tinha só, como no resto do país, que competir com o poder das comissões de trabalhadores, moradores e soldados mas com toda uma coordenação destas ao nível da cidade. Foi a falta desta coordenação ao nível nacional que impediu a resistência concertada ao golpe de 25 de Novembro de 1975.

Democracia e Revolução

Existe um período de regime distinto entre o fim da ditadura – a 25 de Abril de 1974 – e o início do regime democrático-liberal ou democrático-constitucional, cuja construção se inicia a 25 de novembro de 1975, passam hoje 39 anos. Trata-se de um período de 19 meses marcado por aquilo que se designa historicamente como formas de democracia direta (que outros autores classificam de democracia industrial, ou poder operário[1]) ou como a existência de uma dualidade de poderes, com um poder paralelo ao do Estado marcado pelo protagonismo dos trabalhadores, de diversos setores/frações desta classe social). Poder paralelo – assente nas comissões de trabalhadores, moradores, soldados, com representantes com mandatos revogáveis e eleitos directamente – poder que não se confunde com as tentativas de controlo do aparelho de Estado – que existiram naquele período – por parte do PCP e do PS. Nunca tanta gente decidiu tanto, nunca houve tanta democracia em Portugal, como naqueles 19 meses. 3 milhões de pessoas sensivelmente envolveram-se directamente nas escolhas políticas de como queriam produzir, viver, morar, com um grau de organização, e maturidade social que torna a revolução dos cravos um dos exemplos mais importantes a nível mundial em todo o século XX. E é isso que incomóda o poder hoje, essa memória da civilização das pessoas comuns.

Se é verdade que o regime democrático representativo não é um prolongamento do Estado Novo, interrompido abruptamente por um processo revolucionário, também é verdade que a democracia liberal não é um prolongamento da revolução, mas sim da sua interrupção abrupta, ou seja, da sua derrota. A revolução e a contrarrevolução são dois momentos distintos, assinalados desde logo por regimes diferenciados.  Creio que é um equívoco associar a revolução à construção do regime democrático liberal, porque esse equívoco confunde formas de Estado, regime e governo. Sobretudo, não permite distinguir a revolução do seu contrário, a contrarrevolução.

O Estado neste período foi sempre, mesmo em crise, um Estado capitalista (nunca houve um Estado socialista em Portugal, mas um Estado em crise marcada pela existência de poderes paralelos, em 1974-1975). Mas houve vários regimes no quadro desse mesmo Estado: ditadura, os regimes que perduraram durante a revolução, o regime democrático representativo.

Está por discutir, e não o fazemos aqui, qual a natureza dos regimes, se é que houve mais do que um, durante o biénio 1974-1975. Teria sido dominante durante este biénio um regime kerenskista, por alusão ao regime de Kerensky depois de fevereiro de 1917 na Rússia? Há um regime semibonapartista (com características ditatoriais) depois de 11 de março de 1975, primeiro pressionado pelo PCP (Documento Guia Povo-MFA) e depois pelo PS e a direita (VI Governo)?

Independentemente dos regimes que vigoraram no biénio 1974-1975, a revolução tinha um curso, que influencia e é influenciado pelos regimes. Mas ainda assim um curso independente, marcado pelos organismos de ‘poder popular’. O Estado não se impunha, não havia «estabilidade», tinha que negociar sistematicamente com esses organismos (organizados de facto ou não, até maio de 1975, e a partir daí coordenados regional ou sectorialmente). Assim, é conceptualmente mais preciso considerar que a democracia direta é filha da revolução e a democracia representativa é filha da contrarrevolução.

Muitas vezes esta expressão – a contra revolução – é de imediato alvo de críticas que consideram que ela acarreta uma visão mais ideológica do que histórica. É uma pressão injusta, porque a outra visão, que omite ou desvaloriza a existência de uma situação de dualidade de poderes, é muito mais alvo da pressão ideológica de um País que não ainda ajustou contas – e por isso tem mais dificuldades em fazer história – com o seu passado:

  • Um passado em que os mesmos militares que fizeram uma guerra terrível contra povos quase indefesos em África, alguns deles, corajosamente, derrubaram a ditadura a 25 de Abril de 1975;
  • Um país onde muitos destes militares (Grupo dos Nove) que derrubaram a ditadura se juntaram numa ampla frente para pôr fim à dualidade de poderes, à revolução, num golpe de Estado a 25 novembro de 1975, que termina com a prisão em massa dos militares afetos às perspetivas revolucionárias que pugnavam por um deslocamento do Estado e não só do regime (a maioria naquilo que se chamou então teorias «terceiro-mundistas»).
  • Um país onde a democracia liberal encaixou os partidos constituintes do regime desde então num amplo pacto social que implicou desmantelar a origem da pressão para o deslocamento do Estado, isto é, a dualidade de poderes nos lugares de trabalho (comissões de trabalhadores), nos bairros, na administração local e na reprodução da força de trabalho (comissões de moradores) e finalmente, a partir de 1975, aquilo que Mário Soares designou como a «sovietização do regime», isto é, a dualidade de poderes emergente nas Forças Armadas.
  • É ainda uma memória que pesa porque o partido que teve um papel heroico contra a ditadura – o PCP – aceitou não resistir ao 25 de novembro, assumindo publicamente, pela mão do seu líder de então, Álvaro Cunhal, que a esquerda militar se tinha tornado um fardo para o PCP porque a sua atuação punha em causa o equilíbrio de forças com os Nove e os acordos de coexistência pacífica entre os EUA, a Europa Ocidental e a URSS.

Foi a partir de 25 de novembro de 1975 que se iniciou um novo regime – lentamente é verdade, uma vez que a revolução leva mais de dez anos a ser derrotada, a força de trabalho a ser “flexibilizada” (a partir de 1986-89), a contrarreforma agrária (1982) a ser realizada, bem como a progressiva erosão do Estado social, com as privatizações (1989). Mas foi nesta data que se deu o retorno à disciplinação da produção para a acumulação de capital, aliás reconhecida publicamente no discurso do chefe militar do golpe, Ramalho Eanes, nas celebrações do segundo aniversário do 25 de novembro de 1975[2].

Existe ainda hoje uma intensa polémica à volta do que foi o 25 de novembro – e há dados que ainda não estão totalmente esclarecidos. Porém, é indiscutível que esta data marca o início do fim da revolução e a consolidação daquilo que António de Sousa Franco, economista e cientista social, chamou a «contrarrevolução democrática»[3] e que, fruto da força ideológica dos vencedores, é hoje apelidado de «normalização democrática».

A revolução portuguesa encontra o seu marco histórico na conjugação de uma crise nacional (financeira, política, militar) e na entrada na arena política das massas estudantis e trabalhadoras. Estas massas inicialmente – usamos o conceito de massas no sentido de não serem ainda grupos organizados com um programa político, daí este conceito, aliás preciso, de massa disforme, disruptiva – evoluirão depois para a organização em estruturas de base, comissões, associações, partidos ou sindicatos. Paulatinamente, organizam-se grupos de trabalhadores e moradores, estudantes e mais tarde soldados, que serão o centro nevrálgico da revolução. São estes que determinam o curso da crise de Estado e de acumulação, que se saldou não só na amplitude de direitos políticos mas teve como resultado a maior erosão de sempre do capital, saldando-se naquele que é historicamente, entre nós, o maior ganho dos rendimentos do trabalho sobre os do capital. Passam de ser o equivalente em 1973 a 50% do PIB para o trabalho (salário e contribuições sociais) e 50% para o capital (juros, lucro e rendas) para, em 1975, serem quase 70% para o trabalho e 30% para o capital. Esta transferência, por força das lutas sociais, dá-se na forma de intervenção das empresas descapitalizadas (pagamento de salários e investimentos), aumentos diretos dos salários, aumento do salário social (nascimento das funções sociais do Estado), rendas de casa subsidiadas, congelamento de preços, etc.

Historicamente existem várias configurações de revoluções e várias formas de contrarrevolução. Da mesma forma que uma revolução é um processo histórico que não se resume a um golpe militar, uma quartelada, a contrarrevolução não é um processo histórico que possa ser resumido a um golpe violento que instaura uma ditadura. Na verdade, da experiência da contenção da revolução portuguesa pela via pacífica e democrática, aplicada preventivamente em Espanha com grande sucesso, surge um laboratório de processos contrarrevolucionários que nada têm a ver com o modelo chileno (um golpe contrarrevolucionário feito sob as botas de uma sangrenta ditadura militar). Este modelo “pacífico” de contrarrevolução (hoje enquadrado pelo conceito teleológico de «transições para a democracia») será adotado pelos EUA para sua política externa, a “doutrina Carter”, aplicado depois à América Latina com a substituição progressiva das ditaduras por regimes de filiação democrática[4]. Um modelo que se centra na ideia de pôr fim às revoluções ou evitá-las criando uma base social eleitoral, no quadro de um regime democrático representativo, isto é, uma transição para uma democracia liberal que evite ruturas revolucionárias.

[1] Ver capítulo sobre o controlo operário.

[2] Eanes, Ramalho, «No 2.º aniversário do 25 de novembro», Discurso proferido em Tancos. In Secretaria de Estado da Comunicação Social, 1978, p. 10.

[3] Franco, António de Sousa, «A Economia». In Reis, António (coord.). Portugal 20 Anos de Democracia. Lisboa: Círculo de Leitores, 1994, p. 207

[4] Lemus, Encarnación. En Hamelin…La Transición Española más allá de la Frontera, Oviedo, Septem Ediciones, 2001.

In História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-1975 (Bertrand, 2014).

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História do Povo na Revolução Portuguesa, por José Queirós*

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*Jornalista, ex-provedor do leitor do Jornal Público

Texto apresentado no Porto, na livraria UNICEP, no lançamento de História do Povo na Revolução Portuguesa (1974-1975), de Raquel Varela, da Bertrand Editora.

O livro que hoje tenho o gosto de apresentar chama-se História do Povo na Revolução Portuguesa 1974-75, e vale a pena determo-nos no seu título.

História do Povo, em primeiro lugar. A sua autora, Raquel Varela, que tem vindo a desenvolver – num vasto conjunto de livros publicado em pouco mais de três anos — um notável trabalho de investigação nas áreas da história do trabalho e dos movimentos sociais, do estudo do Estado social e da análise do processo político português subsequente ao 25 de Abril de 1974, terá querido entrelaçar nesta sua obra mais recente os diferentes campos de estudo que têm mobilizado o seu interesse profissional, e terá também desejado filiá-la nessa já longa tradição de Histórias do Povo que remonta ao trabalho pioneiro de Howard Zinn (A People’s History of the United States) e desde então se multiplicou em trabalhos geografica ou tematicamente muito diferenciados, e resultantes de metodologias diversas, mas que têm em comum o propósito de valorizar, na narrativa historiográfica, a perspectiva, a experiência e o papel histórico das chamadas “pessoas comuns”, ou, noutros léxicos, das massas populares, dos movimentos sociais, das classes dominadas, dos “de baixo”, isto é, de todos os que geralmente não têm voz ou existência própria nas páginas dos livros que privilegiam a vertente politico-institucional da História e os seus protagonistas e acontecimentos mais emblemáticos.

Esta é, em segundo lugar, uma história da revolução portuguesa de 1974-75. Por estranho que possa parecer, a qualificação desse período da nossa vida colectiva como “revolução” é ainda hoje questionada. Recorde-se como, há dez anos, quando se celebrava um outro número redondo nos aniversários do derrube da ditadura portuguesa, se encheram páginas a discutir se o 25 de Abril significava “revolução” ou “evolução”. Creio que se trata de uma querela que não resiste ao simples bom senso.

Vale a pena consultar, para sublinhar essa ideia, a detalhada cronologia, organizada numa base quase diária, com que Raquel Varela enriqueceu este seu livro, com a intenção, aliás, de propor uma periodização alternativa à que é habitualmente adoptada nos estudos historiográficos sobre os acontecimentos ocorridos entre Abril de 74 e Novembro de 75.

Permitam-me que retire dessa cronologia, a título de mero exemplo, algumas das notícias que ficaram a marcar dois dias situados mais ou menos a meio do processo. Escolhi os dias 4 e 12 de Fevereiro de 1975, como poderia ter escolhido quase quaisquer outros nesse período. Passo a ler alguns excertos:

4 de Fevereiro de 75:

“Os trabalhadores da Eurofil (cerca de 1600), a maior fábrica de plásticos do País e a segunda da Europa, empresa do grupo Borges e Irmão dedicada à indústria do petróleo (transformação de matérias plásticas), estão em luta. Numa primeira fase os trabalhadores fecharam a fábrica com a administração lá dentro, em luta contra os despedimentos, pelas readmissões dos colegas, pelo salário mínimo (mas diferente por géneros), por um refeitório para todo o pessoal e pela assistência médica na fábrica 24 horas por dia. Depois, não sendo satisfeitas todas as reivindicações, ocupam as instalações e expulsam a administração (a 4 de fevereiro), exigindo agora a nacionalização.

Os trabalhadores da Celulose do Tejo, em Vila Velha de Ródão, entram em greve depois de administração não ter aceitado o seu caderno reivindicativo, numa reunião realizada ontem. Já em junho último tinham entrado em greve.

A Comissão Operária da SOUSABREU, fábrica têxtil em Guimarães, apresentou o balanço de 4 meses de autogestão: mantiveram os postos de trabalho, os salários em dia e conseguiram aumentar os teares de 7 para 25.”

Ou, oito dias depois:

“Em Valdágua, no Baixo Alentejo, cerca de 40 trabalhadores no desemprego criam a Comissão de Melhoramentos de Vale de Ouro de Cima e ocupam os latifúndios da zona.

Os trabalhadores das Confecções Eicorte, perante a insolvência fraudulenta da sociedade e os salários em atraso, ocupam a fábrica e as lojas, mantendo a laboração.

Os trabalhadores da ESMALTAL, na Ponte da Pedra, entram em greve com ocupação das instalações. Insurgem-se contra a fuga de capitais e a sabotagem económica, pedindo a nacionalização da empresa.

Os trabalhadores da Cergal paralisaram o trabalho durante a visita de militares da NATO à fábrica, numa tomada de posição contra o desemprego e contra o imperialismo.

Trabalhadores da alfaiataria Brutus ocupam as instalações e mantêm a unidade em funcionamento depois do despedimento de um colega, o que rompeu com o acordo estabelecido a 2 de janeiro entre as partes. Os piquetes de trabalhadores impedem a entrada da administração nas instalações.

As 30 trabalhadoras da lavandaria Matirol passam a gerir a empresa.

Em Lisboa, os trabalhadores da Rabor ITT – Semicondutores ocupam as instalações impedindo a entrada de qualquer administrador até o MFA nomear uma comissão administrativa. Continuam a produção, agora sob o seu controlo.”

Se somarmos a estes todos os outros instantâneos diários de conflitos laborais, de ocupações de fábricas e latifúndios, de saneamentos e plenários deliberativos nas empresas, nas escolas ou nos quartéis, de experiências de autogestão ou de controlo operário, de ocupação de casas devolutas e criação de equipamentos colectivos por comissões de moradores, de constantes manifestações nas ruas e de intervenções militares a favor ou contra os movimentos sociais, ao longo do período de mais de um ano e meio que vai de um 25 (de Abril) a outro 25 (de Novembro), teremos o retrato de um país em revolução, com facetas diferentes consoante a evolução do processo político.

Se recuarmos, por exemplo, a Junho de 74, quando estão ainda em fase de formação as comissões de trabalhadores, criadas à margem dos sindicatos e nesse período geralmente hostilizadas pelo Partido Comunista, iremos encontrar episódios como o da greve de dezenas de milhares de trabalhadores dos CTT, que, tal como outras nessa fase, foi fortemente combatida pela Intersindical e pelo PCP, e reprimida pelo Governo de que este partido fazia parte.

Se, por outro lado, avançarmos para o Outono de 75, que a autora deste livro caracteriza como sendo o período de “crise revolucionária” propriamente dita, iremos encontrar, nas notícias de cada dia, sinais crescentes da radicalização política dos movimentos populares, de que um dos momentos culminantes será, a 12 de Novembro, o cerco da Assembleia Constituinte pelos operários da construção civil.

A investigação conduzida por Raquel Varela mostra sem margem para dúvidas que houve nos anos 70 do século passado uma revolução em Portugal, defende que essa revolução foi derrotada e propõe-se explicar porquê. Este livro traz-nos a descrição informada desse processo, focada nos movimentos sociais, numa linha do tempo que a autora quis abrir e fechar, simbolicamente, com as duas versões (a primeira eufórica, a segunda melancólica) da canção “Tanto Mar”, que a festa dos cravos e o seu desfecho inspiraram a Chico Buarque de Hollanda.

Vem, por isso, preencher uma lacuna importante na historiografia portuguesa contemporânea. Se continuam a faltar-nos, a meu ver, uma história global e uma síntese abrangente do chamado “processo revolucionário em curso”, que não dispensem o estudo e a análise das vertentes políticas e institucionais, partidárias e militares, culturais e ideológicas, sociais e económicas desse período histórico a muitos títulos decisivo, e também do seu enquadramento internacional, a verdade é que a partir de agora não poderá ser ignorada, na sua construção, a história dos movimentos sociais, esta “história do povo” na revolução de Abril que ficamos a dever a Raquel Varela.

Este livro é, por outro lado, uma interpretação e uma teorização da revolução portuguesa, à luz de categorias marxistas de análise histórica (e em particular, se não erro, de abordagens influenciadas por um certo tipo de visão conselhista dos processos revolucionários), que vem confrontar-se com visões alternativas no plano historiográfico, que a autora critica com a larga cópia de argumentos que os leitores encontrarão nesta obra.

Correndo o risco de alguma simplificação, diria que Raquel Varela caracteriza o processo revolucionário português como uma situação clássica de “duplo poder”, em que o poder político formal e institucional coexiste de forma mais ou menos conflitual com um poder alternativo que irrompe “de baixo”, que se afirma e actua a partir dos locais de trabalho e de habitação e, na ponta final da crise, procura também instalar-se nas casernas, juntando comités de soldados às comissões de trabalhadores e de moradores, os chamados organismos de “poder popular” que vão procurando articular-se entre si e coordenar-se por sectores e por áreas geográficas, e que a autora vê como sendo, cito, “o centro nevrálgico da revolução”.

Na sua perspectiva, é a “disseminação da dualidade de poderes nas Forças Armadas” a partir de Setembro de 75 que principalmente define a abertura de uma crise revolucionária, e é o atraso organizativo e político em que o campo revolucionário ainda se encontra quando chega o que chama o “seu momento insurreccional” que explica a derrota  da revolução – pois, conforme escreve, “nem a esquerda militar tem um projecto político coerente nem os organismos de poder operário e popular estão centralizados a nível nacional naquilo que seria um ´soviete´ capaz de resistir ao golpe” -, que classifica (e continuo a citar) como “o golpe contrarrevolucionário de 25 de Novembro de 1975”, sem deixar de reconhecer que se tratou de um golpe “democrático”, que manteve “um Estado de direito, um Parlamento, eleições livres, direitos, liberdades e garantias dos cidadãos”, ao mesmo tempo que operava “a ruptura com a revolução”.

Se e apresentação de um livro é um acto de recomendação – e do que disse atrás pode concluir-se que recomendo vivamente a leitura desta obra -, ela é também um convite ao debate. Permitam-me por isso que chame à discussão, em traços muitos gerais, uma outra visão dos acontecimentos de 74-75, que divergirá em alguns aspectos relevantes da tese que acabo de descrever. Faço-o sem qualquer autoridade académica ou historiográfica, apenas como um português que viveu esses acontecimentos e reflectiu sobre eles, e a benefício de um debate que considero útil para a compreensão da nossa história recente.

Do meu ponto de vista, aquilo a que de um modo genérico chamamos o “25 de Abril” foi um golpe militar, a que se seguiu de facto uma revolução. Começou por ser um golpe para cuja eclosão contribuiu principalmente a crescente consciência no seio das Forças Armadas da impossibilidade de vencer as guerras coloniais, e nesse sentido subscrevo a ideia de que o derrube da ditadura portuguesa é antes de mais devedor das lutas de libertação nacional dos povos africanos.

E foi um golpe que, independentemente das intenções dos seus promotores, quase imediatamente se transformou numa revolução, graças à ocupação determinada do espaço público por um povo ávido de liberdade e de justiça social. Os movimentos populares que tornaram possível uma sucessão de conquistas políticas e sociais rapidamente impostas a um Estado enfraquecido e fragmentado foram em boa medida espontâneos, mas para o seu avanço e sucessos contribuiu naturalmente o activismo organizado de forças políticas que saíam da longa resistência clandestina sem terem conseguido por si próprias derrubar a ditadura, mas se mostravam capazes de influenciar, em sentidos muitas vezes contraditórios, a radicalização do processo político.

Julgo que esta foi, em primeiro lugar, uma revolução democrática e, nessa qualidade, foi uma revolução vitoriosa, cujo legado ainda hoje define o país que somos. E foi também uma revolução social, certamente inacabada, mas profunda e geradora de todo o conjunto de conquistas e direitos que nos habituámos a designar por Estado social. Foi no calor desses anos e dos que se lhes seguiram que se construiu a sociedade mais justa e progressiva que hoje se torna necessário defender face à cada vez mais evidente captura de instâncias do poder político por um sistema financeiro ganancioso, corrupto e anti-social, apostado nomeadamente em inverter de forma brutal o relevante processo de “transferência” de rendimento do capital para o trabalho a que se assistiu no período revolucionário.

A meu ver, a revolução derrotada, que também existiu, foi outra. Foi a que concebeu um “assalto ao poder” inspirado no modelo revolucionário soviético, tal como esse modelo era (e era-o diferentemente) percebido pelo PCP e pela então chamada extrema-esquerda, cujo peso no processo revolucionário tem sido aliás fortemente subestimado pela historiografia dominante, com prejuízo para uma leitura capaz dos acontecimentos.

Essa outra revolução, acalentada por auto-representadas vanguardas políticas, começou a ser derrotada nas eleições constituintes de 1975, com a legitimidade eleitoral conferida pela maioria do povo às forças partidárias que se opunham aos vários modelos revolucionários de matriz comunista, e, logo depois, também no plano da relação de forças no aparelho militar, com a conquista de posições decisivas por parte do chamado Grupo dos Nove, em detrimento do que então se designava por “esquerda militar”, um conglomerado politicamente pouco coerente e atravessado pela influência concorrente do PCP e da esquerda radical.

Essa revolução, ou essa ideia de revolução, veio de facto a sofrer uma derrota decisiva com os acontecimentos do final de Novembro de 1975. Não creio, porém, que a compreensão desses acontecimentos seja fortalecida pela opção de os descrever como o esmagamento de uma revolução que se encontraria “no seu momento insurreccional”, de “assalto final ao poder do Estado”.  Essa é uma ideia que me parece mais devedora de uma mitologia revolucionária clássica, assombrada pelos ecos da tomada de um qualquer Palácio de Inverno, do que de uma análise realista da relação de forças então existente na sociedade portuguesa.

Apesar de subsistirem ainda aspectos pouco clarificados sobre o desfecho do então chamado “processo revolucionário em curso”, julgo que os dados históricos já acumulados indicam que o que aconteceu nesses dias não foi mais do que a derrota de uma desastrada e anacrónica aventura golpista que envolveu sectores da referida “esquerda militar”, politicamente alimentada e apoiada, sobretudo, por facções de uma extrema-esquerda nessa altura já profundamente dividida, as quais terão de facto sonhado com um processo insurreccional, um projecto que a relação de forças existente sempre condenaria ao fracasso, mas que até um Partido Comunista pró-soviético bem mais experiente terá sido por instantes tentado a cavalgar, antes de impor aos seus apoiantes um recuo em toda a linha.

Entre os motivos que aponta para a explicar a derrota dessa iniciativa revolucionária, Raquel Varela salienta o que numa linguagem própria da época se chamaria a falta de “condições subjectivas”, destacando a ausência de um projecto político coerente por parte da “esquerda militar” e o insuficiente amadurecimento dos organismos ditos “de poder operário e popular”, ainda não centralizados a nível nacional.

Mas falta acrescentar, penso eu, a notória falta de apoio popular a esse específico projecto revolucionário, ou, dito de outro modo, falta recordar o poderoso apoio social às forças políticas que tinham vencido as eleições livres de Abril desse ano e ao seu projecto de uma democracia parlamentar e representativa de tipo europeu, que desde o início do Verão Quente se vinha manifestando de forma crescente por todo o país. E essa é também, afinal, a História do Povo na Revolução Portuguesa.

Estas considerações, que provavelmente se inserem numa das linhas de interpretação histórica que este livro se propôs desafiar, em nada diminuem o apreço devido à publicação de uma obra que, conforme referi, vem preencher uma lacuna importante nos estudos sobre a revolução portuguesa. Querem antes significar que, se este é um livro com o qual se aprende a conhecer melhor o período revolucionário, é igualmente uma obra que deve e merece ser largamente discutida.

Para além, é claro, de nos vir recordar um tempo que continua a ensinar-nos o valor da cidadania activa e da participação política alargada como instrumentos essenciais para que uma sociedade possa desenhar o seu próprio caminho de progresso.

As Nacionalizações em 1974-1975

Na História do Povo na Revolução Portuguesa defendi a tese de que as nacionalizações tiveram um carácter contraditório – por um lado significaram uma derrota para os sectores da burguesia que dominavam o sistema financeiro e produtivo mas, por outro lado, o carácter do Estado não se alterou e as nacionalizações foram uma forma de pôr fim ao controlo operário na Banca, retirando aos trabalhadores e colocando no Estado esse controlo, tese que, descobri só há cerca de um ano, e referi em livro, o próprio João Martins Pereira, secretário de Estado da indústria, tinha aflorado como possível. Deixo aqui um resumo de 4 páginas de um longo capítulo que desenvolvi em livro sobre o controlo operário e as nacionalizações.
Pode parecer a muitos uma discussão abstracta mas é de fulcral importância para os historiadores – dar poder ao Estado é muito diferente de tomar o poder do Estado, como sabemos os que estudamos revoluções no século XX. É por isso possível que, contraditoriamente, as nacionalizações tenham retirado poder aos trabalhadores, num modelo de regime bonapartista – MFA, IV Governo – que na aparência e com concessões aos trabalhadores parecia um regime dos trabalhadores, mas na essência foi a forma que a burguesia portuguesa encontrou para salvar os seus capitais – abdicar deles transitoriamente, mantendo o poder político no Estado. Ao contrário do que então advogava o PCP e o PS, os trabalhadores não tinham o poder político e do Estado e faltava-lhes o poder económico, tinham, como escreveu Valerio Arcary de forma acutilante, o poder económico, com o controlo operário nas fábricas, empresas, escolas e habitações, mas faltava-lhe so poder político, que de-legaram no MFA e nos partidos.
Publicado na revista da Associação de Professores de História.
“Na verdade, cremos, como refe- rimos, que em parte a nacionaliza- ção de algumas empresas é levada a cabo não só por razões objeti- vas, para evitar a fuga de capitais e a falência do País – controlo sobre o investimento –, como para evi- tar o desenvolvimento do controlo operário que introduzia uma situação de dualidade de poderes. Este proces- so levou à rutura da coligação PS-PCP e ao progressivo desmembramento do MFA, porque a situação social po- larizava-se impedindo a estabilização de um governo de carácter frentista (governo de salvação nacional).”
Artigo resumido neste link

Amphora – pp. 26 e 27 (Nacionalizações) (1ª parte)

Amphora – pp. 26 e 27 (Nacionalizações) Amphora – pp. 28 e 29 (Nacionalizações) (2ª parte)

História do Povo, hoje, em Évora

Na mercearia do meu bisavô, em Garvão, Alentejo, parava muitas vezes o anarquista Gonçalves Correia, dirigente da Comuna do Vale de Santiago, brutalmente reprimida nos tempos de Sidónio Pais. Por lá passava horas, a falar sobre agricultura sustentável, alimentação saudável, reforma agrária, amor-livre, emancipação do trabalho e outras histórias. Uma espécie de Vagabundo Filósofo à Gorki – estamos na primeira metade do século XX. Gonçalves Correia é das personagens mais ricas deste país – com este espaço curto não posso desenvolver -, o meu pai pequenino só se lembra de um barbudo, que lhe contou tudo sobre Tolstoi, o senhor que tinha doado as terras aos seus camponeses, e um dos grandes escritores da humanidade. Barbudo porque prometeu só cortar as barbas quando Salazar morresse. Hoje vou outra vez ao Alentejo, o meu quente e suave Alentejo, – cuja resistência à expansão do Estado pela violenta colecta de impostos no século XX, deu origem a homens destes, de uma coragem inabalável. Mas vou falar de outros Gonçalves Correia, muitos analfabetos, um povo acabrunhado, medroso, cinzento e com marcas de pobreza nos olhos, que despertou para a política, como a arte da coisa pública, em 1974-1975 e fez deste país uma “festa pá”. Na Igreja de São Vicente, em Évora, às 21:30.

Este ano darei na FCSH o seminário de doutoramento História da Revolução dos Cravos 1974-1975.

Resumo do curso: Conhecer a história da revolução portuguesa nas suas dimensões mais importantes: militar, social, política e inserir esta análise no quadro da história contemporânea portuguesa do século XX. Conhecer os principais momentos e fases da revolução. Analisar criticamente conceitos teóricos fundamentais: controlo operário, auto gestão, dualidade de poderes, crise revolucionária. Conhecer as principais mudanças ocorridas na sociedade portuguesa antes, durante e depois da revolução dos cravos, ao nível político, social e legal. Situar a revolução portuguesa no contexto histórico das revoluções do século XX identificando as diferenças e semelhanças com outros processos revolucionários (revolução russa de 1917, biénio rosso italiano de 1919-20, revolução espanhola de 36; revolução húngara de 1956, Maio de 68 e revolução chilena de 1972-1973). Conhecer as fontes para a história da revolução portuguesa e a principal bibliografia produzida na área.

http://www.fcsh.unl.pt/ensino/doutoramentos/opcoes-livres-nas-unidades-de-investigacao/historia-da-revolucao-dos-cravos-1974-1975/view