«Estamos afogados em impostos»

 

«Grupos de fiscais entram à luz do dia em pequenos estabelecimentos. Em restaurantes à hora de almoço, em lojas em plena manhã. Com polícia e um aparato de força. Nunca se viu algo semelhante num centro comercial. Estamos afogados em impostos, mas em impostos que não tratam de forma idêntica os pagadores. E ninguém percebe para que servem porque os serviços públicos são cada vez piores. O modelo redistributivo do pós-guerra, quem tem mais paga mais, reverteu-se. 75% de toda a massa de impostos já é paga pelos rendimentos do trabalho. A cereja no bolo é colocarem os contribuintes a exercer funções de trabalhadores de impostos, verificando facturas online. Não sendo os sindicatos de alfândega, finanças, etc parte do Estado – triste memória histórica de sociedades onde os sindicatos eram controlados pelo Estado – mas da sociedade, não caberia a estes uma palavra sobre esta e outras medidas que os envolvem a eles directamente num sistema fiscal injusto e que não raras vezes os coloca a vigiar quem menos tem? Devem fazê-lo porque a máquina fiscal deve ser justa, mas também em defesa da sua saúde mental enquanto trabalhadores – nenhum profissional com saúde mental gosta de ser sistematicamente colocado a exercer funções que sabe que são erradas, e não visam o bem comum. Imagino que entrar numa padaria de 2 metros e dizer «tirem o dinheiro todo da caixa» coloque quem o faz no mesmo estado de sofrimento mental – de, usando o termo correcto da psicologia laboral, ausência de empatia, sofrimento no trabalho – do dono da padaria».

Excerto do debate no nosso programa semanal Último Apaga a Luz, RTP 3.

Papeletas da Ladroeira

Um dia destes passamos ali por Torres Vedras, para ir comer um bacalhau assado ao oeste, e como a Câmara está falida, entregamos um euro; no Domingo seguinte vamos caminhar com os miúdos para à Arrábida e mais 2 euros para o Parque Natural, crianças têm 50% de desconto – conservação da estrada sabe?; quem quer em alternativa ir a Sintra, paga 3 euros – é património mundial, compreende?. António Costa, aliás, o PS, o PSD e o CDS, estão desde o início dos anos 90 a utilizar os impostos para remunerar os capitais e, todos os serviços que deviam ser pagos pela caixa comum dos impostos, são pagos de facto com taxas, que há dezenas, porventura centenas em tudo o que pagamos todos os dias. São em tudo idênticas às taxas medievais que foram abolidas no tempo do capitalismo progressivo que, e bem, no século XIX – aliás, bem é como quem diz, foi mesmo com uma guerra civil – acabou com os parasitas que viviam à conta das taxas e taxinhas. Dizem-me que agora é para o Estado e não para os privados. Mentira: como os privados, um grupo de senhores feudais modernos, ficam com o dinheiro dos nossos impostos, as taxas substituem-se. E a esquerda social democrata que apoia António Costa só sabe gritar que Passos Coelho é pior, tipo gosto mais que me batam com chicote do que com cinto.

Na revolta da Maria da Fonte chamavam a este saque todo “papeletas da ladroeira”. Havia gente séria lá no Minho. Espero lá ir comer cabrito com arroz de feijão, com um vinho verde e um pudim de abade de priscos – que já tem menos sabor por causa dos 23% de IVA, portagens na auto-estrada, impostos na gasolina…-, e não ter que pagar portagem ao Marquês de Amorim ou ao Conde Champalimaud, mesmo que seja um eurozito, ali à entrada de Viana. Já dizia o velho provérbio popular do século XIX quando mercenários, criminosos fugidos, contrabandistas, pegaram em espadas para ficar com os bens nacionais e aí foi-lhes dada terra roubada e um título que vigora até hoje na Quinta da Marinha, século em que começaram a formar os chamados “grandes grupos económicos”, famílias de “grande tradição e história”: «Foge cão, que te fazem barão! Para onde se me fazem conde?».

 

PS: esclarecimento, usei o exemplo de Torres Vedras (não sei se está ou não falida como a CML), e outros metaforicamente