Há uns anos, na verdade há algumas décadas, que vivemos uma política que Noam Chomsky, entre outros, apelidaram e bem de cancelamento. Atribuída à pressão de grupos de interesse, de direita e de esquerda, na verdade ela tem sido promovida pelos Estados e pelos Governos: rapidamente passou-se de uma política de debate de ideias, com divergências, e até exageros polémicos, para uma política de cancelar qualquer debate sobre acusação de machista, comuna, inimigo dos animais, discurso de ódio, contra o ambiente, anti vacinas. Os Estados têm surfado esta onde felizes, impondo uma centralidade Estatal crescente em que só o Estado – como se não existisse nada fora do Estado – decidisse o que se pode ou não dizer. A direita sempre gostou de autoridade Estatal, a esquerda perdeu (alguma vez teve por longos períodos?) o horizonte de luta contra o Estado, historicamente a sua razão de ser.
A mais recente polémica da cancela é sobre o papel da RTP na transmissão de uma missa onde foi feita uma leitura da Bíblia que refere uma passagem que apela à submissão da mulher. A RTP presta um serviço público e tem programas com as várias confissões religiosas. É difícil encontrar, por mais que custe aos crentes, uma passagem na Bíblia que apele à igualdade entre homens e mulheres, ainda que simbólica ou metafórica. É católico quem quer, ouve a missa quem gosta. A RTP não tem que cancelar ou escolher discursos. Fui com várias personalidades (termo jornalístico em voga, de que não gosto muito) subscritora de um Manifesto contra a RTP proibir a transmissão de touradas porque estas são legais, mas sobretudo porque sou contra qualquer tipo de definição Estatal do que é cultura. Não sou nem católica, nem crente, nem amante de touradas. Sou e sempre fui contra a existência legal de organizações fascistas porque a sua política real, e única, é a violência e o silenciamento e ameaça dos inimigos, não sou contra – embora deteste – que as pessoas digam coisas racistas e fascistas, discursos e palavras não podem ser proibidos, sob pena de a sociedade se transformar num totalitarismo. A liberdade de expressão é para mim inviolável – vou sublinhar, inviolável. Não há “mas”. Podemos e devemos debater, contrariar e mesmo afastar-nos de palavras e discursos que nos magoam, ou irritam, não podemos pedir aos Estados que as apaguem. É isso que está na CRP – são proibidas organizações fascistas, é proibido bater numa mulher, não é nem pode ser proibido dizer barbaridades fascistas nem barbaridades machistas, sob pena de fazermos do Estado um garrote de toda a sociedade. Canceladores – parem de calar os outros e lutem pelas vossas ideias, sem a bengala do silenciamento de quem pensa de forma diferente.
O cancelamento é um efeito colateral dos estretores do capitalismo, a partir da década de 70, é o ruído da respiração do moribundo. Há uma cancela que levante a desce e decide o que podemos ler, ouvir, porque os nossos ouvidos não pode decidir, alguém tem que previamente o fazer por nós. Um recente estudo publicado pelo Instituto para a Paz de Oslo, estudou as vagas de democratização na história e – surpresa (nem tanto) – quanto mais há conflitos sociais, e movimento operário organizados em lutas e greves, ou seja, menos Estado forte, mais há conquistas de direitos democráticos, sim, não só sociais – ao contrário do que diz o senso comum a base do fascismo não são operários ignorantes, mas classes médias desesperadas – os “operários ignorantes” quando se mexem garantem uma sociedade com mais liberdade de expressão, reunião, associação.
Ora, os operários (trabalhadores em sentido lato, intelectuais e qualificados também) estão desde os anos 80 a perder. Deixo o link do resumo do estudo no fim. O cancelamento é a política da omnipotência do Estado, é um perigo para a liberdade. Além disso, no nosso quotidiano, o cancelamento silencia gente divertida, fora da caixa, e dá voz destacada aos mais chatos, aos queixinhas. Não há nada mais aborrecido do que jantar com um cancelador que a toda a hora mede as nossas palavras, o nosso tom, as nossas intenções, a nossa moral e descobre sempre que no fundo somos uns perigosos machistas-negacionistas-inimigos do ambiente. É muito mais divertido jantar com um católico que cita a Bíblia desfasado do tempo, sem noção da realidade. Canceladores são aborrecidos, faltas-lhe piropos, erotismo, paixão, erro, lapso, falhar até falhar melhor.
Há uns anos fui convidada para um casamento operário numa Igreja Pentecostal. O pastor, vestido de setim made in China e brilhantina, acompanhado por uma jovem semi nua que cantava a Jesus fez um discurso sobre “a mulher nasceu da costela, porquê? se fosse da cabeça era mais esperta que o homem, se fosse do pé este podia esmagá-la”. Eu, em posição de ser vista pelos convidados em pé fiquei impedida de me rir pelo que me deu um ataque de riso compulsivo, tentava por tudo desviar-me, colocar a mão à frente, e as lágrimas corriam-me pela cara abaixo, arrastando em cascata a maquilhagem. Sabem? Não trocava por nada aquele momento, nem que me oferecessem uma leitura séria e comentada de Engels (fiz muitas leituras destas de estudo com gosto) sobre a origem da família e da propriedade privada. Nada é tão revolucionário como a liberdade onde se expressam as contradições humanas, porque só há humanidade onde há transformação, e só há transformação onde há contradição.
o ar está a ficar irrespirável de vigias, canceladores e donos da verdade. obrigada RV
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Nem mais. Ou como diria Voltaire (ou talvez tenha sido outro), “Posso não concordar com uma só palavra sua, mas defenderei até a morte o seu direito de dizê-las”.
por acaso ha um texto na biblia que penso nao ser metaforico que apela a igualdade nao so entre homens e mulheres mas entre todos que é galatas 3:28 enfim a biblia e um livro contraditorio mas tambem tem partes boas como quase todos os livros tambem ha um texto em tessalonicenses que diz analisai tudo retende o que é bom por acaso ate o capitulo um de genesis apela ha igualdade entre macho e femea quando diz que ambos foram criados a imagem de deus ja o capitulo dois escrito por outra fonte contradiz um pouco o capitulo um mas como escreveu harold bloom no seu livro sobre literatura universal ate ele poe a hipotese de o pentateuco ter sido escrtio por uma mulher agora que ha textos misoginos na biblia sim sem duvida mas algo nao se pode negar na biblia fala dos erros de todos homens e mulheres nao esconde nada na minha opiniao apenas relata o relato assim sem mais nem menos sem se preocupar por contraditorio que isso possa parecer com a moralidade por isso é que e encarado por muitos como um livro da verdade as mulheres mentem para salvar os bebes judeus do farao deus nao as condena os homens tem mais de uma mulher deus nao os condena uma prostituta salva espioes ela e sua familia sao salvas por deus sem deus a condenar por ter mentido as autoridades é o que digo tem que se analisar a floresta toda e nao so a arvore
com tudo isso nao sou apologista da biblia como disse eintein tudo é relativo se por um lado o fanatismo religioso cometeu atrocidades na historia o ateismo de estaline mao tse tung e pol pot naofez muito melhor o melhor mesmo é evitar os extremos e prefiro considerar o ser humano um misterio o que faz um ser humano que era suposto ser pintor me viena foi rejeitado pelas belas artes se tornar um implacavel ditador? o que faz salvo erro estaline que trabalhou como metereologista pa dizer que vai fazer frio ou calor se tornar um implacavel ditador? o que faz namorados que trocam juras de amor e depois por caus de uma traiçao se tornam assassinos nunca adoraria um deus que viola virgens ainda por cima por um suposto espirito santo sim senhor muito santo realmente uma historia muito santa mas infelizmente hoje tudo e um reality show incluido a politica a famosa formula dividir para reinar funciona a seculos e nao menos famosa problema reaçao soluçao ainda melhor funciona e como disse kenedy a politica e um lugar perigoso mas ainda bem que ainda existem juizes com coragem porque nao a tenho porque agora que estou longe dos homens agora os compreendo pa citar um dos meus poetas favoritos mas como disse bill clinton sim ate bill clinton disse isso que vou passar a dizer ninguem mas mesmo ninguem é dono da verdade isso ele disse a madeleine albritgh no livro que ela escrveiu os poderosos e o todo poderoso livro fascinante que recomendo a todos os supostos fanaticos donos da verdade estragam isso tudo preferem seguir um pastor um curandeiro e um cameleiro e agora a tao famosa dgs ah essa santa organizaçao toda poderosa dgs nao deixa mais uma vez de ser ironico toda esse fanatismo em torno da saude esteja a fazer mal á saude em todos os outros aspetos como disse veem a arvore nao veem a floresta
o que fazem pessoas que ganham mil euros gastarem 100 a 200 euros pa apoiarem jogadores de futebol de nba de nfl que ganham um milhao de euros por mes pa depois esses politicos nojentos dizerem cinicamente que nao tem dinheiro pa aumentar os salarios dos policias dos reformados do rsi entre outros um misterio realmente de onde vem esse dinehiro ppa pagar essa pronografia monetaria a desportistas e nao terem dinheiro pa outros tanto dinheiro pa uns poucos pouco dinheiro pa muitos
Oh Maria… Estiveste a snifar umas linhas valentes!
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Excelente!
Não posso estar mais de acordo… Se me é permitido, gostava de sugerir de Friedrich Engels; “A Origem da Família da Propriedade e do Estado”, e porque não também ; “Dialética da Natureza”!!!
Bom dia.
Eu tenho uma aproximação muito grande às ideias da Raquel Varela. Julgo perceber quais os julgamentos e as razões das suas defesas. Ainda assim há, por vezes, pontos em que não coincidimos (ainda bem). Relativamente ao texto acima não tenho muito bem a certeza, quando fala do Estado, se o está a fazer em sentido geral ou se se está a referir especificamente a “este” nosso Estado. É que para mim é fundamental o Estado intervir. Se não, porque existe? Um destes dias numa discussão com a minha filha acerca de um conflito ela disse-me “pai, não vale a pena insistires porque eu estarei sempre do lado do mais fraco”. Lembrei-me desta frase para justificar a ideia que tenho sobre a intervenção do Estado. E que deve ser forte. Claro que não estou a referir-me à “Missa da Cancela” mas fiquei com esta duvida sobre o Estado que refere.
Obrigado.