Por uma escola humanizada

Costa anunciou ontem um pacote de transição digital nas escolas. Este era o momento para anunciar redução alunos por turma, melhoria dos salários de professores e funcionários. Retorno a aulas de grande curiosidade e valor cientifico, num turno, presenciais, e deixar muitas horas livres para brincadeira e socialização, noutro turno. Em vez disso vai-se colar as crianças a um ecran. Este foi o momento excepcional em que aprendemos neste experimento mundial obrigados pelas medidas da pandemia que o “ensino” online não funciona – em vez disso prego a fundo rumo ao desastre.
Os professores, até agora, empenhados e descontentes, ou reagem impedindo isto ou vão descobrir que com o ensino em casa não se livram da escola de que não gostavam. Pelo contrário, essa mesma escola de que já não gostavam vai passar agora a ser a sua casa, que vão odiar tanto ou mais do que a escola. Em breve vão ter saudades até das filas de trânsito quando se descobrirem totalmente alienados dos seus alunos, o seu sentido da vida, e a casa transformada em tudo o que de mau há hoje nas escolas, sem nada do que há de bom. Para o país, se esta “transição” avançar, imposta sem qualquer discussão democrática, vai ser um retrocesso civilizacional. Esperamos a lista de empresas que vão vender estes pacotes ao Estado e respectivos mediadores de interesses. Já que vendem o último pedaço de Estado social – a educação – ao mercado, acabando com um serviço que estava fora da alçada do mercado – que nos digam de forma transparente quem vai ficar com o dinheiro dos nossos impostos, enquanto transformam os nossos filhos em autómatos, obsesos, e (ainda mais) desfuncionais do ponto de vista relacional.

Quem acha que isto é um problema de pais, alunos e professores, que pensam na qualidade do trabalho e na felicidades das pessoas (e esse deve ser o objectivo), desengane-se. Não seremos 4 milhões os afectados, mas 10 milhões. Esta força de trabalho sairá da escola sem qualquer capacidade de pensar a totalidade, autonomia ou complexidades de raciocínio, saberão carregar o polegar num ecran. Portanto não conseguirão dar conta do trabalho real, seja no público seja no privado.

Assumi há muito com confiança o meu papel de “velho do Restelo” neste campo. Tenho anos, já décadas, de trabalho cientifico nesta matéria. Sou contra qualquer aparelho na escola, acho que os telemóveis deviam ser proibidos, até no recreio, que quadros interactivos, e mesmo o famoso power Point, só servem para dispersar. Acho que uma escola seria apaixonante para os alunos e professores se tivesse aulas magistrais clássicas, de manhã, dadas por professores de excelência cientifica muitíssimo bem pagos, e um amplo espaço verde e de convívio livre onde o desporto, os trabalhos manuais diversos (construir coisas com as mãos) e o lazer fossem pelo menos metade do dia. Isto que assistimos é tudo o contrário do que defendo – a “transição digital” é, como já tantos no campo da filosofia alertaram, a barbárie tecnológica.

12 thoughts on “Por uma escola humanizada

  1. Pingback: Por uma escola humanizada – Raquel Varela – Blog DeAr Lindo

  2. É o novo analfabetismo. Desta vez com consentimento .
    Estamos à beira do precipício. Não acredito que os professores reajam a isto, sinceramente .

    • Os professores estão cansados de lutar e não ser reconhecidos.

      É altura de ser a sociedade no geral a lutar pelo futuro de todos – crianças. kpvens, adultos e velhos.

      • É verdade que os professores estão cansados de lutar, tal é a pressão há uns anos a esta parte da sociedade sobre a escola. Esperar pela sociedade para lutar por uma educação melhor tem dado nisto. Compete a nós, mestres do ato pedagógico, em cada ato na escola, formal ou informal, letivo ou não letivo, em cada reunião, em cada participação, exigir a adoção de medidas que se sustentem na lei e no método, basta isso. “E se a lei estiver bem feita, o método está lá” (José Gil).

    • Ex.ma senhora:
      Acompanho com interesse as suas crónicas. Mas a esta não posso deixar de lhe dar uma resposta.
      Ainda para mais ontem à noite repetiu tudo no programa “O último apaga a luz”!
      A escola humanizada não pode ser feita sem qualquer aparelho na escola como preconiza! Mas para que serve a escola então? Já não basta o analfabetismo de uma brande maioria dos alunos, que não lhes permite uma utilização desenvolta destes aparelhos que diz, mas que não especifica em concreto. É precisamente o analfabetismo, principalmente na língua materna, que faz com que esta massa de alunos relapsos tenha tido os resultados desastrosos no ensino à distância! É uma consequência!
      A escola já usa com muito sucesso a tecnologia desde sempre! Mas não é o conceito de “tecnologia” comum hoje em dia que eu classifico como “brincar com telemóveis! Não é esse o significado da palavra!”
      A tecnologia é aquilo que nas área técnicas nos permite usufruir o que temos hoje! Falo principalmente da Mecânica da Electricidade e da Informática que são as áreas em que trabalho.
      E a escola hoje tem acompanhado esta evolução, com muitas falhas é certo! As falhas nas áreas que mencionei são gritantes! A grande maioria das escolas intervencionadas pela PE têm hoje computadores completamente obsoletos!
      A senhora como historiadora já deveria ter conhecimento disto! Fica aqui o meu convite para visitar a escola em que lecciono onde terei muito gosto em fazer uma visita guiada às nossas instalações e onde poderá verificar in loco a importância da tecnologia na humanização da escola
      Trata-se de um escola secundária com muito boas condições, numa pequena cidade no interior de Portugal:
      E também lhe posso mostrar o registo dos recentes resultados obtidos pelos alunos no ensino à distância e no ensino presencial, que em boa hora achámos por bem retomar!

  3. Cara Raquel, muito obrigada pelos seus posts e, sobretudo, pelas suas intervenções públicas. Temo que algumas “mentes iluminadas”, que se consideram “pós modernas”, não sejam muito sensíveis a apelos de qualquer natureza, pois a sua “desumanidade” não lhes permite. No entanto, ajudará, com certeza, a despertar para a luta muitas consciências adormecidas. Como ser humano, mãe de uma aluna, professora, casada com um professor, peço-lhe que não desista!

  4. Assustador o que nos espera, a nós e aos nossos filhos! Manipulação e imbecilidade, e assim se controlam as massas!

  5. Pingback: Por Uma Escola Humanizada - Raquel Varela | ComRegras

  6. Pingback: Escola digitalizada ou escola humanizada? | Escola Portuguesa

  7. Cara Raquel Varela,
    Tenho acompanhado o seu trabalho e partilha no que diz respeito a este tema tão sensível e fundamental no sucesso da nossa sociedade e economia.
    Quero dar-lhe os parabéns mas também solicitar que nos ajude a aumentar a voz de pais, professores, alunos, psicólogos, psiquiatras e outros que concordam com as suas reflexões.
    É crítico levar este tema a uma discussão mais ampla e não deixar o governo decidir á revelia da sociedade.
    Por favor use a sua influência e ajude-nos. Na qualidade de mãe, peço-lhe para que se crie um movimento, um abaixo assinado, qualquer coisa que nos ajude a discutir este tema com a seriedade que merece e com o impacto que tudo isto está a ter e vai ter no futuro destas crianças de forma avassaladora e ruinosa.
    Obrigada

  8. Completamente de acordo com a pedagogia apresentada que não necessita de equipamentos técnicos e (ou) e digitais. O ser humano, professor, educador bem preparado, só por si é o recurso suficiente.Para prender a atenção das crianças a uma história ou conto,basta um livro com ou sem imagens e (ou) uma pequena encenação ou dramatização. Nada substitui, ou é melhor que o docente frente aos seus alunos, nas suas várias expressões.

  9. Concordo em absoluto e subscrevo. Assusta-me enquanto mãe e enquanto cidadã o rumo que o conceito de escola está a tomar, e apercebo-me que a socidade actual nāo gosta de reflectir e analisar os factos com profundidade. A escola é muito mais do que um espaço para estudar o q vem nos livros: é um espaço social, um espaço de experiências individuais e comunitárias, um espaço de segurança (quando as famílias não conseguem ser uma família, a escola funciona como um escape, por isso , mas não só, até se tornou obrigatório o pré-escolar, para detectar possíveis agressões), um espaço de transmissão de cultura e tradições, um espaço que promove mais igualdade e mais cidadania. Estamos a criar uma geração cada vez mais tecnodependente, e com isso aumenta o isolamento individual; diminui a capacidade de nos relacionarmos em sociedade; aumentam as doenças mentais; aumentam os conflitos com o outro, poque não o compreendemos; é o fim do sentimento de comunidade, de pertença e de identidade…em suma, de humanidade. É horrível, e nem quero pensar no que será uma sociedade assim, com as crianças enclausuradas em casa, sem terem o espaço da escola para se relacionarem longe dos pais; os adolescentes sem puderem fazer asneiras e experimentar a vida; os adultos sem o convívio com os colegas de trabalho, próprio dos locais de trabalho etc.etc. Gabamos o sistema de ensino finlandês e opta-se pelo tele-ensino!! Estamos a criar uma sociedade profundamente doentia, acrítica, apática, individualista. Antes que seja tarde demais, vamos agir! Apelo aos pais que defendam os seus filhos e apelo aos professores, pois considero-os mais esclarecidos! O tele-ensino e o tele-trabalho não pode ter vindo para ficar!

Leave a comment