O programa de Costa e Silva visa a automação do país, a reprimarização da economia, a consequência será a erosão maior de serviços públicos, desemprego massivo e fim do pouco mercado interno, com a proletarização do que resta da classe média, em breve substituída por máquinas. É este o projecto dos 26 mil milhões de euros. Isto tudo garante o pagamento da dívida pública – pelos cortes em salários, diminuição de pessoal – na parte do crédito. Na parte do “fundo perdido” garante a economia alemã um mercado que é o da venda de robots, tirando as suas empresas da crise. Não é necessário ser marxista e perceber muito de economia real para ver o filme, bastava ser um velho liberal a la Smith para compreender o desastre que oferece este cenário desenhado por Costa e Silva. É mais ou menos tudo o que de errado foi feito em 30 anos, mas em maior quantidade.
Costa e Silva diz ao que vem (ver no fim deste post as suas palavras). Há que automatizar o país e digitalizar a economia, e reprimarizar a economia com exploração de recursos naturais. Quem vende estes produtos? A indústria alemã. O que fica cá? Baixos salários e poluição e zombies-trabalhadores, substituídos por máquinas ou meros apêndices destas, ainda que com algum grau de qualificação. Tudo mal pago, claro. O mega programa de Costa e Silva, segundo ele próprio, passa por financiamento público à automação, economia digital, comprar mais equipamentos digitais para os serviços públicos e fazer de Lisboa e Porto mega cidades digitais. No fim desta nota deixo um texto de Costa e Silva onde o novo Ministro sombra diz, com alguma clareza para quem tem rudimentos de economia, o que propõe fazer.
Ora, o problema da economia portuguesa não é falta de automação e máquinas. É falta de gente, qualificada e realizada no trabalho, é falta de investimento em trabalho bem pago, o único que pode criar um mercado interno, em vez da monodependência do turismo. O que Costa e Silva propõe não tem nada de novo no plano económico. A Alemanha empresta 26 mil milhões a Portugal para Portugal comprar equipamentos alemães e substituir força de trabalho por máquinas em múltiplos sectores incluindo, como seria de esperar, na saúde e na educação, para em breve sermos educados por monitores e tratados por diagnóstico google. Que isto seja apresentado pelo Expresso como uma plano para “salvar” a economia diz muito sobre a ausência de crítica estrutural no futuro do país e o conhecimento da sociedade em que vivemos. Costa e Silva não por acaso não fala uma única vez em qualificar e pagar bem aos trabalhadores, mas refere insistentemente a compra de tecnologia, e a reprimazrização da economia com exploração dos recursos naturais (uma espécie de Brasileirização, em que Portugal fica na periferia comprando qualidade e vendendo matérias primas). E esqueçam as PMEs, ou são dependentes de exportações ou, com este Programa de Costa e Silva, não se salvarão porque não há mercado interno. É – numa palavra – para quem sabe qualquer coisa de economia, um desastre completo, social, económico, sem mercado interno, e ainda um desastre ecológico. Ler Costa e Silva, por ele próprio:
“Neste sentido, o país tem que desenhar e pôr em funcionamento projectos-âncora capazes de evitar o colapso e transformar a economia. Isso passa por um grande projecto para completar as infra-estruturas físicas indispensáveis, que seja uma alavanca para a indústria da construção. Passa por completar as infra-estruturas digitais e acelerar a transição digital apoiando as Escolas, as Universidades e os Centros de Investigação, a Administração Pública e as empresas com um programa especial de apoio às PME. Precisa de um projecto para o sistema de saúde incluindo os equipamentos e recursos do SNS mas também o apoio às empresas que se reinventaram nesta crise e produzem equipamentos que podem capitalizar à escala global. Precisa de um projecto para a agricultura para apoiar as empresas, consolidar a economia e as redes logísticas locais e melhorar a nossa balança alimentar. Precisa de um grande projecto para a floresta e para o interior, baseado na construção de uma rede de centrais de biomassa, capaz de valorizar os lixos florestais, promover a limpeza da floresta, produzir bioenergia, criar emprego e aumentar a coesão territorial. Precisa de um projecto de reconversão industrial para explorar a capacidade de reinvenção das cadeias logísticas e apoiar as empresas nacionais de múltiplos sectores. Precisa de um projecto de reindustrialização explorando o potencial dos recursos minerais e energéticos nacionais como o lítio, o cobalto, o níquel, o nióbio, o tântalo, as terras raras, as energias renováveis como a solar, o gás e o hidrogénio. Precisa de um projecto para as Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto, transformando-as em macrorregiões inteligentes e competitivas à escala global investindo na integração dos sensores, dados e tecnologias digitais e mobilizando todo o ecossistema de inovação com as empresas, centros de investigação, universidades e autarquias.”
Realço:
” Os 750 biliões do plano de relançamento (Le Monde) emprestados pela União Europeia deverão ser reembolsados um dia pelos Estados na proporção da sua riqueza ou por novos impostos europeus.”
Excelente artigo e uma cultura surpreendente. Muito obrigado pela contribuição na defesa do património natural, Serras de Arga, Caramulo e Soajo.