Guterres e o dilúvio das Nações Unidas

Vem aí a fusão nuclear?

O mundo foi tomado por uma deriva irracionalista chamada “emergência climática”. Saibam que eu sou a favor da tendencial supressão do automóvel, verde ou preto, de gasolina ou de lítio; sou a favor de uma extensa ferrovia, ciclovias, cidades pequenas com serviços públicos e culturais de qualidade, ainda que não rentáveis, e subsídios à agricultura biológica, ainda que não rentável. Acho que há muitas medidas essenciais à vida em sociedade que não são rentáveis, não dão lucro e têm um custo elevado. Não sou nem animalista, nem ambientalista. Não tenho qualquer simpatia por Trump ou António Guterres. Sou, porém, cientista social – e tenho aversão ao obscurantismo. O iluminismo, a razão científica, são a base essencial da nossa conversa – se não partimos de premissas racionais, mas antes da “opinião de cada um”, estamos prontos a entrar em qualquer igreja, ainda que agora o castigo não seja o Inferno depois da morte, mas os oceanos a engolirem-nos. Por exemplo, fiquei chocada de ver uma menina, criança – não é uma adolescente, é uma criança, com evidentes fragilidades – a ser usada e re-usada pelos seus defensores, e maltratada pelos seus oponentes. Recuso-me a debater o papel de uma criança no meio de uma luta fraccional sobre o novo monopólio verde ou o velho monopólio fossil. Por isso perdoo com sinceridade o discurso de “roubaram-me a infância”, num mundo onde 300 milhões de crianças amanhã não vão à escola nem vão comer. Não andam de avião, nem de barco. E uma parte importante não chegará à idade adulta, para ver o mundo acabar. Felizmente, neste caso, não vêem TV. O sentido das proporções, que se perdeu neste pânico climático, ficou muito mal aos seus proponentes.

É bom ver os jovens a lutar, o sentido colectivo destas manifestações pode ser uma bela lição de vida, sentir que juntos podem algo. Mas é confrangedor usar um deles, escolhido para nos conquistar o coração, e sem escrúpulos a colocar a ler um discurso messiânico, desrespeitador do estado real da pobreza e dos problemas no mundo. Usaram até a sua doença para a defender e para a atacar – eu acho que as doenças não podem ser usadas, nem para fazer vitimas nem para construir vilões.

Dito isto há coisas que eu como cientista social gostava de ver debatidas, pelas quais tenho sincero interesse:

1) Sendo eu a favor de medidas drásticas como as que enumerei, custa-me ver uma criança com um discurso messiânico a alimentar assim as teorias da conspiração, que são um terreno fértil nesta matéria. Se há uma divisão científica que reune especialistas notáveis sobre se o CO2 provoca o aquecimento, ou o aquecimento solar provoca o aumento do CO2 podemos conversar sobre isso? Aquecimento que, segundo tantos, – muitos cientistas suecos por acaso, alguns até foram do Painel da ONU e o abandonaram – , será provocado pelas alterações do eixo da terra e pela actividade solar. Porque não podemos assistir – calmamente – a estes debates de fundo, escutar cientistas, com opiniões distintas, em vez de ouvirmos uma menina e um político exilado numa instância moribunda – Nações Unidas – Guterres? Sim, o principal abuso da imagem da menina foi feito por Guterres, como aqui tantos já lembraram. Recentemente o El País tinha um belo artigo sobre como os intelectuais perderam peso para as “estrelas” públicas ressaltando que todos sabemos o nome de Greta e Al Gore, e ninguém conhece os nome dos cientistas mais destacados do clima.

3) Há uma pressão social evidente para, a partir de 2025, o mundo virar-se para a fusão nuclear, projecto de longo curso, do pós guerra, que nessa data estará concluído. Os seus maiores defensores reclamam que a energia eléctrica necessária para alimentar as baterias só será assegurada recorrendo à energia nuclear (o Público tem artigos de defensores da fusão nuclear para a “emergência climática”); também reclamam estes que os perigos da fissão nuclear não existem na fusão nuclear. Sendo eu totalmente leiga no assunto gostaria de ver isto debatido em vez de gritos histéricos, vindos de um homem com mais de 60 anos – Guterres – explicando que “não há tempo”, como se estivéssemos num filme de Hollywood. Irresponsável é o mais carinhoso que podemos dizer da figura que fez. Quase que me convenço que a escolha de um português e de uma criança para protagonizar esta história é menos aleatória do que parece – a rigor, quem é o adulto sério, de um país central, que se prestaria a este papel em pleno século XXI de pastor da Igreja Universal na Assembleia onde se reunem os Estados, anunciando o dilúvio bíblico?

4) É verdade que a indústria de maquinaria alemã é a mais interessada neste new deal verde, em que seriam massivamente financiadas pelo Estado – nós – a reconversão da indústria automóvel, e de máquinas de construção, e de máquinas e motores de navios, para novos motores “verdes”? Sim ou não? É verdade que as baterias de lítio são piores e mais irrecicláveis do que o petróleo? Sim ou não? Não faço ideia, mas gostaria de ver o assunto debatido também.

Agora o que sei, de certeza. Neste obscurantismo uma ideologia da pobreza tem-se instalado, pobrezinhos mas verdes e felizes: não se deve andar de avião, tomar banho, comer carne, ter acesso à cidade, que bom que é ficar no subúrbio!, todos devemos ser meio budistas e zen para ajudar o mundo que está a acabar. Esta ideologia – da culpa, que justifica a exclusão – é concomitante com a queda salarial na Europa, que mesmo na Alemanha está aos níveis reais de 1992! Os níveis de consumo das classes trabalhadoras e médias na Europa têm caído desde a década de 80/90. Um dos maiores contributos de CO2 no mundo é o cimento/betão armado – a China construiu tanto cimento em 20 anos como os EUA desde sempre…, só para citar um exemplo do mal que tem feito ao mundo os europeus tomarem banho todos os dias!

Na realidade o europeu médio, culpado dos males do mundo, trabalha muito, cada vez mais, vive longe do trabalho, e consome apenas televisão e telemóvel – num processo de regressão cultural e social evidente. Quando sobra tempo, dorme. Não é fim do mundo, nem do planeta nem da humanidade, mas é um retrocesso na condição humana. Ainda assim reversível, creio eu, com lutas sociais coerentes, e racionais, incluindo as que defendem uma melhor relação do homem com a natureza.

10 thoughts on “Guterres e o dilúvio das Nações Unidas

  1. Em nome do mais rentável, o mal do mundo. Em nome do mais rentável se alcance o apelido de Político, o mais correto profeta. A esses, ficava-lhes bem um retiro – um mês a entenderem / reflectirem seus textos e alocuções. O brevete de – aprovado, ainda teria que passar a novo escrutínio – de reacção natural ou dissimulada para a classificação de Político. Posto isto, melhor saibamos quem somos.

  2. (Embora a RTP 2 tenha já feito um muito discreto debate sobre o assunto, há uns bons anos: h*tps://vimeo.com/6727986)

    Aos mentirosos do “aquecimento global” obviamente que não interessa debater o assunto…

    Pois, no dia em que o fizessem, perante todos, qualquer pessoa com um mínimo de formação científica (suponho até que, ao nível do 9º ano, que é comum para toda a gente) facilmente conseguiria perceber que tal suposto fenómeno não passa de uma *enorme mentira* (h*tps://www.youtube.com/watch?v=bSAgCFLgaVI + h*tps://controlc.com/6dbc7e9b). Não sendo por acaso que uma enorme quantidade de cientistas até quiseram processar o Al Gore: h*tps://www.youtube.com/watch?v=fdRaxN5jUZE

    (Ex: As análises a amostras de gelo colhidas na Antárctida *provam* que o aumento e a diminuição do CO2 na atmosfera ocorrem *posteriormente* e com um desfasamento de 800 anos relativamente ao aumento e à diminuição das temperaturas na Terra – ou seja, que são as variações na temperatura da Terra que causam variações na quantidade de CO2 na atmosfera, e não o inverso – h*tps://www.youtube.com/watch?v=YrsUQ5jw_B4)

    Quanto às alternativas energéticas,

    A fusão nuclear já poderia até ser uma realidade, não fossem o consciente e propositado subfinanciamento do desenvolvimento da mesma e o cancelamento de projectos quando estes têm sucesso – tal como é denunciado na seguinte muito boa palestra: h*tps://www.youtube.com/watch?v=Wbtj29ERG-Y

    E, mesmo a fissão nuclear, não é perigosa como as pessoas pensam. Pois, o pior incidente de todos neste domínio foi, na verdade, resultante de um acto de sabotagem ocidental (h*tp://www.forumdefesa.com/forum/index.php?topic=67.msg316313#msg316313) – tal como irá ser, ao de leve, indiciado numa série de televisão russa, que surgiu em resposta à recente série de televisão estadunidense: h*tps://www.presstv.com/Detail/2019/06/08/597988/Russia-Chernobyl-HBO-US-CIA

    O objectivo final de todas estas mentiras e sabotagens, é reduzir a população mundial (h*tps://larouchepac.com/category/green-fascism) para níveis que sejam mais fáceis de controlar (h*tps://c2.quickcachr.fotos.sapo.pt/i/G851381ad/21026775_tNCDk.png). Pois, (tal como denunciam aqueles que têm fontes em serviços secretos e afins: h*tps://twitter.com/search?q=proportional%20density%20from%3AEstulinDaniel) sabem os cientistas sociais ao serviço das elites que, o progresso e desenvolvimento de uma sociedade é directamente proporcional à densidade populacional da mesma. E, com tantas pessoas que vão surgindo no Planeta (agora com acesso à Internet e outros meios não controlados de disseminação da Informação, da Cultura e do Conhecimento) torna-se cada vez mais difícil às elites que gerem a sociedade controlar a mesma.

    • (E, sendo você, Dra. Varela, também uma cientista social, se duvida do que eu digo no meu último parágrafo, pare para pensar…)

      O resultado final das medidas políticas de suposto combate ao dito “aquecimento global” irá ser, obviamente, ficar toda a gente mais pobre… Ora, não é muito mais fácil controlar trabalhadores e restante “arraia-miúda” da sociedade se estiverem estes com problemas pessoais e sociais, subnutridos e sem dinheiro para acesso à Internet, livros e afins?

    • P.P.S. – E, a agricultura biológica é muito bonita, mas não consegue produzir comida suficiente para 8 mil milhões de pessoas. Aliás, à custa da grande subida dos preços da comida, que foi notória aquando da “crise” de 2008, está já a morrer imensa gente de fome em países de Terceiro Mundo (que, por não ser ocidental, “não conta” e não reportam os média que temos sobre).

  3. Concordo que não se deve alinhar na turbulência e superficialidade mediáticos. Mas por que não ouvir e ler quem percebe do assunto (não para se tornar um especialista, mas para se tornar um cidadão culto e informado) e, usando o privilégio de ter um certo impacto público, divulgar essas fontes (em vez de meras impressões pessoais…) para que os cidadãos se possam informar?

    Por exemplo:

    Jean-Marc Jancovici – Lost in Transition – Telecom Paris – 03/09/2019

    ***

    Richard Alley – Perspectives on Limits to Growth: World on the Edge


    (especialmente a partir dos 11:45 a propósito da confiança científica sobre o efeito do CO2 no aquecimento global)

    ***

    Michel Magny – Aux Racines De L’Anthropocène. –

    http://www.editionsbdl.com/fr/books/aux-racines-de-lanthropocne.-une-crise-cologique-reflet-dune-crise-de-lhomme/713/

  4. Cara Raquel Varela,

    Não há dois pontos de vista a respeito das causas das alterações climáticas. Por favor leia este artigo que explica bastante bem o que se deve entender por “consenso científico”:

    https://www.forbes.com/sites/startswithabang/2019/09/26/the-one-science-lesson-every-american-adult-can-learn-from-greta-thunberg/

    O que existe é conhecimento, sempre sujeito a permanente actualização e revisão, dos vários fenómenos que afectam o clima. Por exemplo é conhecida a influência dos ciclos orbitais nas glaciações das últimas centenas de milhar de anos: houve glaciações periódicas que acompanharam os chamados ciclos de Milankovitch (em homenagem ao matemático sérvio que os descobriu no início do século XX), durante as quais os níveis de CO2 oscilaram entre 180 ppm e 280 ppm, mais coisa menos coisa. O último período interglacial ocorreu há cerca de 8000 anos e o clima devia estar lentamente a arrefecer rumo a uma nova era glaciar. Mas não está, e a explicação que merece (amplamente!) o consenso científico é que tal se deve ao efeito de estufa produzido pelo acréscimo de gases, como o CO2, que são produzidos pelas actividades humanas (a concentração de CO2 já ultrapassou 400 ppm).

    Note que o efeito de estufa não é uma novidade. É um fenómeno físico conhecido desde o século XIX e pode ser medido experimentalmente num pequeno laboratório.

    A propósito, também é uma falácia discutir se é a variação de temperatura que provoca a de CO2 ou o contrário: forçar a alteração de uma das variáveis afecta a outra.

    As maiores dificuldades prendem-se com os modelos computacionais do clima, pois o clima é um sistema muito complexo e os modelos não são perfeitos. Em particular existem algumas incertezas nas previsões a algumas décadas — evidentemente essas incertezas são quantificadas e tidas em conta no processo científico. Mas uma grande certeza existe: o cenário em que tudo está “bem”, ou “normal”, já não está em cima da mesa. A temperatura global média à superfície já subiu cerca de um grau em relação ao período pré-industrial e as consequências nos fenómenos meteorológicos já se fazem sentir (furacões mais intensos e lentos, etc.). Eis um artigo onde estes problemas são discutidos com bastante transparência:

    https://www.csmonitor.com/Environment/2019/0918/Behind-the-climate-hype-Can-models-be-trusted?

    Não sei o que lhe dizer em relação à fusão nuclear. Tenho acompanhado os desenvolvimentos nessa área desde há várias décadas e até hoje tem sido sempre uma promessa adiada. Gostaria que assim não fosse e sem dúvida que devemos continuar a apostar nela. Mas quando se diz “não há tempo” isso significa apenas que não podemos esperar mais sem tomar já decisões a respeito das emissões de gases com efeito de estufa.

    Se não o fizermos o mundo não acabará em doze anos. Mas a evolução da temperatura em função da concentração de gases como o CO2 tem um atraso de dezenas de anos, o que significa que mesmo parando instantaneamente de os emitir a temperatura ainda vai subir mais. Quando se fala de doze anos estamos a dizer que na trajectória actual atingiremos daqui a doze anos um ponto em que não mais seremos capazes de manter o clima dentro de parâmetros aceitáveis, mesmo que as consequências mais graves (subida das águas de um metro ou mais) só se comecem a manifestar a sério perto do fim do século XXI. E para conseguir garantir que daqui a doze anos medidas essenciais já terão sido adoptadas… as decisões têm de ser tomadas agora.

    Por que razão persiste a falácia de que há “dois campos”? Existem produtores de desinformação bem conhecidos, como o Heartland Institute, um “think tank” libertário que se notabilizou nos anos oitenta por tentar obstruir a informação científica a respeito dos malefícios do tabaco e actualmente usa tácticas semelhantes para propagar desinformação a respeito da ciência das alterações climáticas. A propósito disto deixo-lhe mais um artigo do Ethan Siegel:

    https://www.forbes.com/sites/startswithabang/2017/07/26/heartlands-6-reasons-to-be-a-climate-change-skeptic-are-six-demonstrable-lies/

    Independentemente de quem pode ou vai beneficiar com as alterações climáticas, ou com as medidas a adoptar para as mitigar, as teorias que colocam tais beneficiários no lugar de “causadores” são teorias de conspiração (e pela mesma lógica não nos poderíamos esquecer de quem tem a beneficiar com a inacção). A investigação científica é muito clara, certamente suficientemente clara para nela podermos basear uma discussão informada a respeito das acções a tomar daqui para a frente — na verdade já era suficientemente clara há trinta anos. O que gostaria de ver vindo de si enquanto cientista social seria uma investigação séria a respeito das razões pelas quais os mitos pseudo-científicos persistem.

    Algo a ter em conta é que sentimentos de culpa são inúteis e até prejudiciais. Por exemplo, não devemos demonizar os combustíveis fósseis. Em grande parte foram eles que conduziram a nossa civilização aos níveis de conforto a que estamos habituados. No entanto não é possível fugir ao facto de que permitir que continuem a ser usados exactamente como até aqui terá consequências funestas — tal como se tomássemos um medicamente em excesso.

    As opções a adoptar são do foro da Política, da Economia e das Ciências Sociais em geral. Sejam elas de esquerda ou de direita, ou de seja o que for, o que não pode ser permitido é que se deturpe a Ciência, pois esta é a base, que se requer tão segura quanto possível, sobre a qual as decisões devem assentar.

    Com os meus cumprimentos

  5. Uma boa parte da minha actividade científica relaciona-se com as mudanças climáticas e do nível do mar. Por isso não sou “negacionista”.
    Como vejo as coisas a uma escala maior, recuso-me a acreditar que 30 anos de subida das temperaturas e do CO2 sejam a prova de que a culpa de tudo é o CO2. E por isso, todo o programa de “descarbonização” (que palavra mais estúpida) cai pela base. Cuidem de não poluir (O CO2 não é um poluente). Cuidem de acabar com os plásticos. Deixem de transportar produtos perecíveis a longas distâncias gastando quantidades estúpidas de energia.
    Acabem com a deterioração programada dos produtos que faz com que vá tudo parar ao lixo que depois é enviado para uma caixote do lixo qualquer, em Africa. Produzam com qualidade, produtos duráveis.
    Ah bom, mas então o que seria da indústria têxtil e dos automóveis e dos computadores, feita com base na tal obsolescência programada?
    Pois é: ser coerentemente a favor do ambiente e das pessoas implica ser anti-capitalista.
    Por isso eu gosto muito de ouvir a Raquel Varela e concordo com a maioria das suas ideias.
    Neste caso, 2 almas de esquerda podem ser contra esta treta do aquecimento global de causas antropogénicas… coisa rara!
    Bem haja!

  6. A Raquel Varela é muito inteligente e gosta de pensar, o que nem sempre são coisas que partilham a mesma caixa. A minha admiração vai toda para a sua independência enquanto cientista que é – não deveriam todos os cientistas serem espiritos independentes?

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