O Suicídio do Pingo Doce

Confesso que quase morri a rir a ver o vídeo do cronista do jornal Expresso, Henrique Raposo, sobre o Alentejo, onde explica o suicídio dos alentejanos. Bom, não é todos os dias que o tema que nos faz rir, esse mérito é dele. Não li o livro, nem o vou fazer, comento o curto e…impactante vídeo. Os alentejanos são menos sociáveis, diz, com um ar sobranceiro. São? Quais são os dados do autor editado pela Fundação Pingo Doce? Número de colectividades locais, ajuda entre familiar e fora da família, formas de solidariedade, dados e mais dados?. Não, «em Arouca falam juntos na rua, no alentejo sozinhos». «Para os alentejanos matarem-se é como fumar um cigarro». «Não reprovam o suicídio, moralmente». Em suma, não vão à missa e não conversam, os compadres. Teve uma boa agência de comunicação na divulgação do livro, disso não há dúvida. Vou dar só um exemplo que não posso dedicar mais de 10 minutos por dia a todos os disparates que se publicam neste país. O suicídio tem uma relação directa, não exclusiva, com o envelhecimento e também com a solidão. O Alentejo tem uma estrutura de grande propriedade porque em geral são terras pouco produtivas, que ou funcionam em regime de latifúndio ou de cooperativas – nos montes, onde havia ainda pequenos proprietários as terras ainda eram piores, as isoladas, do topo, onde fazem as casinhas brancas. Com a fome e más colheitas endividavam-se, com frequência. Havia trabalho sazonal, disperso, mal pago. Com a mecanização agrícola vêm para as cinturas industriais. Ficaram cada vez mais isolados e mais velhos, e, o que há hoje, mais velhos isolados.
Há muitos outros factores. O suicídio como fenómeno complexo que é tem múltiplas causas. Em ciência um protocolo de investigação de suicidio inclui, entre muitos outros, e só para dar alguns exemplos, Questionário de Avaliação Sociocultural; Escala de Depressão Geriátrica, Escala Torga de Intenção e Ideação Suicidária; Escala de Solidão; Questionário de Suporte Social; Escala de Avaliação de Qualidade de Vida.
A pergunta que fica é qual é a escala da Fundação Pingo Doce? O humor? A superficialidade? O disparate? A continuar assim temos que dar razão ao famoso sociólogo Durkheim, não são os indivíduos que se suicidam, são as sociedades. E…tudo pode começar, num momento de solidão, na prateleira de um supermercado, ao lado das gomas e dos isqueiros.
Em anexo uma série de teses sobre o suicídio no Alentejo.

26 thoughts on “O Suicídio do Pingo Doce

  1. Olá Raquel,
    Desde já, obrigado por tratar o assunto – apesar da piada que ele merece – com a seriedade que lhe é particular e que o mesmo implica. Foi um disparate, realmente, e também eu tentei reflectir sobre o mesmo num artigo de opinião (http://www.tribunaalentejo.pt/tribuna/artigos/os-alentejanos-nao-se-matam) onde também me limito a olhar para o vídeo (aliás, eu assisti ao programa inteiro, que martírio), mas acima de tudo para o Alentejo.
    Só tenho pena que a indignação tenha resvalado facilmente para uma imbecilidade equiparável à leveza com que o mesmo autor se refere ao tema e à região. Há formas mais honestas para tratar os temas, e os assuntos, do que a centralidade das memórias, ou a estigmatização, ou a generalização de uma comunidade, região ou ideia. Segundo OMS as comunidades indígenas de todo o mundo são as mais afectadas pelo suicídio, e o problema também não está na forma de vida dessas culturas, mas sim no seu êxodo forçado. E uma coisa é suicídio cultural, outra é o individual… enfim, mas para misturar alhos e bugalhos e não falar de coisa nenhuma, é que se inventou o marketing…
    Cordeais cumprimentos,
    João M. Pereirinha

  2. Gostava, no entanto, de deixar aqui escrito que muitas teses defendidas, em Portugal, dizem disparates identicas às do Senhor com ar de burgues imutavel … e algumas publicadas em editoras universitarias … (o meu teclado nao é portugues e dificil colocar os acentos/preguiça tb)
    Alem disso, ele ainda diz outra coisa de relevo: a violaçao era aceite socialmente … ou ouvi mal?

    • Ouviu bem, infelizmente. Ele diz que as mulheres nem tinham uma palavra para identificar a violação. Coitado, não percebeu nada, de nada do que ouviu.
      Em muitos lugares do Alentejo e penso que do país todo, as mulheres com menor grau cultural, referiam-se aos atos sexuais, dizendo coisas como: O meu marido serviu-se de mim. Diziam e algumas ainda dizem. Acontece que isto não tem qualquer conotação negativa,. Pelo menos, não no sentido de violação que ele lhe pretende dar.

      • Na minha terra as mulheres referem-se aos maridos como o meu homem e não o meu marido .

  3. Exacto! O disparate! Olhe, sabe o que me choca mesmo? É ver as manifestações de apoio a esse tipo. Eu nem sabia quem ele era e pelos vistos não andava a perder nada. A culpa destes fenómenos é a falta de exigência dos públicos de hoje: aceitam tudo sem questionar. Dá assim tanto trabalho levantar questões, pensar um pouco? Não se aguenta. No meu 11º ano, talvez, já nem me recordo bem, a minha professora de Filosofia disse-nos para estarmos atentos e questionarmos tudo. Foi dos melhores ensinamentos do Liceu. Já nem sei o nome dela. Era ainda uma jovem. Lembro-me do vestido às riscas horizontais, que nos deu “feriado” pois quis ir ver o Papa a Coimbra. O que andam a ensinar hoje nas escolas? A comer e calar só porque deu na TV, está na internet ou no jornal? ( Ou escrito num livro? Sim, porque em outras eras isso dava alguma garantia, hoje, nem tanto.) Com tanto acesso a informação, porque é que as pessoas estão cada vez mais mal formadas? Ou será antes deformadas?

  4. Pingback: A Raquel Varela diz que o suicídio no Alentejo não tem nada a ver com a religião | perspectivas

  5. Está enganada a causa do suicídio é simples e única é a inveja, a inveja das roupas finas e do decote das mulheres dos irmãos que emigraram para Lisboa…

  6. Obrigado pelo seu comentário. Gostei muito. Nada mais absurdo julgar-se que o suicídio é exclusivo do Alentejo, e que as suas gentes são diferentes da do resto do País; contudo é capaz de haver nisso alguma coisa diferente, é que os Alentejanos, são pessoas afáveis, que gostam de receber bem as pessoas, e, que acima de tudo, têm a uma personalidade bem própria; para não se falar da sua cozinha, do bom azeite, do bom vinho dos seus montados, que coloca no topo toda esta região do nosso País.

    Como tenho uma costela Alentejana, não pela parte dos Varelas, mas dos Sequeiras, e, como desde muito novo, pelo menos desde que nasci, e já lá vão 76 anos, que conheço o Alentejo de ponta a ponta, é deveras impressionante saber-se que, em pleno século XXI, se encontrem pessoas que se dediquem a difamar um Povo, que com muito esforço e labor, tem sobrevivido, desde a reconquista, pelos nossos Reis, à moirama e a Castela, até aos nossos dias. Só uma exclamação a tais personagens se aplica: «Perdoai-lhes Senhor, que não sabem o que fazem e muito menos o que dizem!…»
    Carlos Alberto Sequeira Varela

  7. “Posso não concordar com o que dizes, mas vou lutar para que o possas dizer.” – A campeã de todas as frases que os portugueses dizem da boca para fora…
    Afinal…tantos “Je suis Charlie”

    • As pessoas podem dizer tudo o que quiserem, chama-se liberdade de expressão, não é? Pois, sabe, viver em sociedade, particularmente numa sociedade democrática , tem regras. Respeito pelo próximo. Direito ao Bom Nome e à Imagem. Direito de Resposta.. Podia continuar, mas imagino que não valha a pena. Deve ter percebido a ideia.

  8. Pingback: Olha! Têm um Henrique Raposo! | Raquel Varela

  9. Fui ler os trabalhos de investigação recomendados por Raquel Varela e e logo no primeiro resumo que lí pode ler-se o seguinte:

    “A intenção e ideação suicidária associam-se ainda a: variáveis socioculturais, como religiosidade, escolaridade e representação social do suicídio; factores sociofamiliares (idade, estado civil, suporte familiar, estrutura da família, história familiar de suicídio, comportamentos suicidários de amigos/elementos da comunidade); antecedentes pessoais de tentativas de suicídio. Destaquem-se, entre os factores socioculturais, a representação do suicídio e a religiosidade (de facto, a intenção/ideação suicidária está significativamente associada à definição do suicídio como resolução nobre para um problema pessoal e à inexistência de fé ou convicção religiosa). ”

    E no resumo de um outro trabalho: “No que respeita à imagem que têm das pessoas que cometem suicídio, os alentejanos divergem entre a coragem e o egoísmo”

    Com certeza Henrique Raposo faz comentários que são subjectivos, muitas vezes errados, e sempre em tom agressivo pois parece ser esse o seu estilo. Mas tudo bem espremido parece-me que não é completamente absurdo o ponto de vista em relação à cumplicidade e admiração social pelo suicídio no Alentejo.

    Quanto às reacções viscerais que desencadeou, acho que apenas contribuem para comprovar a ideia de cultura de violência que ainda existe por lá.

    Cumprimentos Alentejanos.

    • Sem dúvida que a moral é essencial mas não é nem pode ser um único factor – como o cronista descreveu no vídeo – mas, o mais important,e não sabemos se isso altera o número de suicídios – sabemos que altera a forma como se vê, ou se oculta, o suicídio. Cumprimentos alentejanos 🙂

  10. Pingback: Olha! Têm um Henrique Raposo! | Artigos Científicos e Acadêmicos

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