Negócios Lisboetas Asiáticos e Portugueses

As mercearias asiáticas em Portugal fazem dumping como fazem as empresas-monopólio portuguesas cujos preços e a produção é inteiramente – e sem qualquer livre concorrência que não a da aparência jurídica – por estas fixada. Não faço ideia se as ditas mercearias são indianas, do Bangladesh, ou do Paquistão, nem me interessa, se fossem alentejanas e fizessem dumping eram as mercearias alentejanas que, como fazem dumping, não podem vender produtos de qualidade nem ter trabalhadores com condições dignas. Entram em Lisboa, e noutras cidades, com salários mais baixos, horários não controlados por ninguém e condições laborais desconhecidas – muitas com um regime fiscal abonatório durante 5 anos. Os seus trabalhadores, de origem asiática ou portuguesa, é totalmente irrelevante, devem ser por todos nós protegidos, acolhidos (gostava aliás de ver uma inspecção do trabalho a verificar os seus horários e salários para perceber qual a lei que vigora dentro dessas empresas/mercearia e como é possível alguém estar a um balcão das 9 da manhã às 2 da manhã!), mas as lojas em si são uma praga. Que, como qualquer praga, arrasam com a diversidade, que descaracteriza a cidade e contribui – pela pressão dos preços baixos – para substituir lojas de qualidade, com produtos frescos e diversos, alguns ainda do produtor ao consumidor, por produtos de baixa qualidade, junk e fast food, deixando aos turistas ricos o acesso às lojas com qualidade, agora redenominadas gourmet. Turistas que estão a arrasar com Lisboa, que está a virar um parque de diversões.

Estamos aliás perto de viver numa cidade tão desinteressante como Amesterdão, em que os turistas só se encontram com turistas, porque todos os outros foram expulsos para pelo menos 20 km de distância – e ainda há uns broncos que acham que a cidade tem graça por causa dos canais e das coffee shops. Como se uma cidade fossem prédios e rios e não gentes na sua diversidade… Os lisboetas – os que nasceram nas beiras, têm origem africana ou asiática – , é indiferente, estão a ser expulsos por esta política, que literalmente vende o país a preço de saldo. Não gosto de mercearias asiáticas e não entro lá, como não frequento o norte-americano Starbucks, nem o centro comercial de Belmiro de Azevedo ou o do grupo Amorim. Vou à praça em frente a minha casa. Dia sim, dia não, pelo menos.

Acabe-se com o IVA – um imposto regressivo em que quem ganha mais paga menos – e garanta-se proteção das rendas ou habitação social para manter o comércio tradicional e fechem-se os centros comerciais ao fim-de-semana e todos os dias depois das 18 horas. Para suportar estas medidas pode-se obrigar as centenas de milhar de casas fechadas em fundos imobiliários – de portugueses, angolanos, chineses e franceses em fuga fiscal – a pagar IMI, por exemplo. A vida, dizia um dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, é como ela é, e a minha Lisboa, a de que gosto, tem gente de todo o mundo e gente de todo o mundo não é o mesmo que negócios de todo o mundo.

2 thoughts on “Negócios Lisboetas Asiáticos e Portugueses

  1. Em termos de leitura, não há nada melhor do que lermos o que nos vai na alma, escrito por outro! Que texto! Disseste tudo sobre esta polémica, que de uma forma ínvia te levantaram. Quando digo que temos orgulho em ti, é verdade, porque és cada vez mais uma das que de nós melhor defende aquilo em que acreditamos.

  2. Sem maçãs, bifes e couves, não posso sobreviver; sem computador e sem telefone não posso trabalhar. Este facto incontornável (a não ser pela morte) delimita o território dentro do qual posso fazer opções e exercer o meu livre arbítrio.
    Gostaria muito de poder comprar sempre e todos os dias maçãs e bifes que não me chegassem à mão por meios que enriquecem os intermediários e levam os produtores à miséria; que não contivessem químicos, que não me causassem doenças e que não contaminassem os lençóis freáticos.
    Gostaria de poder comprar um computador que não tivesse sido fabricado com mão-de-obra semiescrava, infantil e graças à pilhagem dos recursos minerais de um povo qualquer.
    Gostaria, sim, mas essa opção não está dentro dos tais limites do território em que vivo. Por isso mesmo defendo a necessidade de rompermos com esses limites, de construirmos uma outra sociedade, baseada noutro tipo de relações económicas e sociais.
    Dito isto, e sem qualquer intenção conflituante, aproveito para declarar que eu, ao contrário da Raquel, sou fiel cliente de algumas das tais lojas asiáticas (bem como dos velhos mercados e mercearias tradicionais). Do que eu não sou cliente é do MacDonalds.
    Suspeito que as ditas lojas asiáticas que a Raquel conhece são radicalmente diferentes daquelas que eu conheço. É natural, vivemos num mundo bastante diversificado. As «minhas» lojas asiáticas não têm trabalhadores contratados em sentido empresarial (são negócios familiares), não vão buscar os produtos à Macro (ao contrário de muitos dos merceeiros que eu também frequento), não fazem dumping (mas que raio de ideia!); além disso, uma parte dos produtos que vendem vêm de mercados e fornecedores da região saloia (o preço que eu pago «a mais» compensa largamente o preço que eu gastaria em gasolina ou transportes públicos, para ir a 80 km de Lisboa buscar os mesmos produtos).
    Abreviando, porque sobre este assunto muito mais haveria a dizer: este artigo é um caso raro em que a autora, ao contrário do que é seu costume, fez da sua (ou doutra pessoa, tanto faz) experiência pessoal, uma regra universal. Sabemos que não é este o modus operandi normal da Raquel (e essa é uma das suas glórias), e por isso está perdoada. Mas fica o reparo.

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