Antigamente – ainda me lembro de ouvir essa expressão – havia umas velhotas que comentavam dos maridos mortos, «era bom, nunca me batia». Portanto o marido, há 40 anos – não é há 23 mil nas grutas de Altamira, ao lado dos ursos – , não fazia o pequeno-almoço, massagens, cartas de amor, surpresas e paixão. Ele era bom porque «não batia», já que ali ao lado, mesmo na rua, havia o Zé com «maus vinhos» que batia na mulher e o Manuel que «às vezes perdia a cabeça». 43% do Partido Democrático votou em Bernie Sanders – 13 milhões de pessoas. Estiveram 1 ano a ouvir Bernie dizer – e provar, sem ser desmentido pela própria ou seu staff – que Hillary Clinton era financiada pela indústria de guerra, farmacêutica, «the corporations», e, ele, velhote simpático, recebeu todos os donativos de sindicatos e gente pobre. Agora Bernie foi à Convenção pedir «todos com Hillary», embora engolindo 2 Xanaxs, que lhe paralisaram até a força para bater palmas, ele não conseguiu elevar as mãos perante aquele espectáculo degradante da mulher que sucede ao marido (democracia hereditária familiar), e tem a apresentar à maior economia do mundo as mesmas propostas de sempre mas embrulhadas num discurso que podia dar na Europa num programa às 9 da manhã para camponeses semi-analfabetos. Porque do outro lado há um com «maus vinhos», bruto, feio de bruto, Trump – o urso das cavernas. Trump mais do que fascista e bronco representa o proteccionismo norte-americano. A concentração que se seguiu à queda das falências depois de Outubro de 2008 deixou muitas empresas em maus lençóis, sobretudo as pequenas que não têm acesso ao crédito, que está, na forma de «dinheiro helicóptero» parado nos bancos, mas não só. Follow the money! Veja-se quem financia quem e descobre-se que há uma luta fraccional entre as classes dirigentes norte-americanas – que esta semana não conseguiram mexer outra vez nas taxas de juro (significa que o dinheiro contínua parado sem se investir porque há deflação, uma bomba-relógio mundial, portanto, já que nem o caminho do proteccionismo nem o do liberalismo do TIPP farão o dinheiro voltar ao chão de fábrica), e que tem reflexos na divisão de ambos os partidos – nem os democratas, nem os republicanos estão unidos em torno dos seus candidatos. A pergunta é: será que para se ter o apoio das pessoas progressistas basta ser mulher? Mulher e negra? Ou ainda melhor, mulher-vítima-da-«traição»-do-marido que numa sociedade cada vez mais puritana sobrevive à traição e, como Deus, perdoa? A mulher que não quer acabar com as armas nucleares mas quer que elas estejam na sua mão porque na sua «mão estão bem guardadas», já que ela não ser enerva com «uma ofensa no twitter»? Tudo isto é patético – para quem apoia a igualdade de género, e vê nesta candidatura uma vitória, é caso para dizer «que pena ser uma mulher a fazer este papel». É que dormir com um homem que não nos faz bem algum mas pelo «menos não nos bate» não é sinónimo de «mudança», «grandeza», «vida nova», é a metáfora dos náufragos do pacto social ocidental.
No meio de tanto hamburguer e batata frita, coca-cola, etc. algo vem ao de cimo…