1.° DE MAIO: «O TEMPO CONTRA O TEMPO»

As lutas operárias contra os longos horários de trabalho vão dar origem ao feriado mais festejado, ainda hoje, no mundo inteiro – o 1.o de Maio. Inspirado nos trabalhadores mártires de Chicago, violentamente reprimidos numa manifestação pública, pelas oito horas de trabalho, em 1886, o nome «Primeiro de Maio» deu título, em Portugal, a 22 periódicos entre 1890 e 1974.177 Abel Botelho descreveu o cortejo do 1.o de Maio em Lisboa, em 1895 no romance Amanhã, numa prosa realista que o historiador Carlos da Fonseca considera verosímil, provavelmente apoiada em jornais da época:

«Às 7 da manhã, já era enorme a multidão que esfervilhando se acumulava de roda do obelisco, no extremo sul da Avenida. A partir daí tomavam escalonadamente lugar, pela ampla artéria acima, os peões que deviam servir de pontos de reunião às diversas associações e grupos, segundo o programa publicado nos jornais e procurando o seu número de ordem nas pequeninas tabuletas suspensas das árvores, desde a praça dos Restauradores à rua das Pretas. O Mateus viera muito cedo presidir à concentração – todo de negro, gravata branca, e na botoeira do jaquetão flamulando um grande ramo de perpétuas. E a cada momento em volta dele o bulício, o pitoresco, a animação cresciam.
«(…) Sobre o leito do carro erguia-se uma elegante tarima, a ver- melho e oiro, profusamente festoada e guarnecida de toda a espécie de ferramentas, as quais, entressachadas com bandeiras, lhe rodeavam ainda à guisa de troféus o vértice, donde rompia para o azul um braço com um facho, e ao lado um estandarte vermelho com esta legenda a branco: Progresso e Trabalho. Na frente do carro, entre cestos vindimos, pás e ancinhos, lia-se em grandes letras de fogo: QUEREMOS 8 HORAS DE TRABALHO; e na cauda: A JOSÉ FONTANA, O POVO, FARTO DE SOFRER. Aos lados baloiçavam-se escudetes com os dísticos: PROLETÁRIOS DE TODO O MUNDO, UNAMO-NOS! E BREVE CHEGA A NOSSA HORA. O carro dos Catraeiros vinha soberbo; arrancava na passagem clamorosos aplausos à multidão. (…) Nos flancos os retratos de João de Deus e Antero, à frente José Fontana, todos em molduras de flores e algas marinhas. (…) Passava, depois, a carruagem dos Operários de Tecidos de Seda – com um belo cortejo artístico.»

A comemoração do 1.o de Maio expandira-se mundialmente depois do Congresso Internacional de Paris em 1889 onde participa- riam dois delegados portugueses. Portugal começa a celebrá-lo em 1890.

As celebrações são acompanhadas por cortejos alegres, onde vão os centros socialistas, as filarmónicas, as cooperativas. Por vezes, o anticlericalismo é notório no desfile. Os carros alegóricos ainda evocavam o mundo do trabalho agrícola e artesanal: a festa dos Ramos e o Corpus Christi, celebrado pelos mestres artesãos. São, no início, desfiles sobretudo masculinos, veem-se poucas mulheres nos corte- jos. No cortejo de 1895 as costureiras levavam uma máquina Singer onde se lia: «Mata sem ruído.»
Segundo a imprensa, os cortejos juntaram 3 mil pessoas em 1894, 20 mil em 1896, 25 a 30 mil em 1897. No 1.o de Maio de 1897, um quarto da população de Lisboa não trabalhou.

Os operários tabaqueiros conquistam as oito horas de trabalho depois de uma greve. Mas é um epifenómeno. A partir de 1891 surgem os primeiros regulamentos a limitar o trabalho de menores e mulheres nas indústrias, mas com escassa fiscalização e aplicabilidade; no campo, o flagelo era ainda pior porque os pais não podiam abdicar da força de trabalho dos filhos menores.

O feriado do 1.o de Maio não será comemorado livremente durante a ditadura do Estado Novo. O primeiro celebrado depois do 25 de Abril de 1974, o 1.o de Maio de 1974, é a maior manifestação pública até hoje da história do país. Ao todo calcula-se ter envolvido nas avenidas e nas praças de todo o país mais de 2 milhões de pessoas. Ou seja, mais de 20% da população esteve em festa nas ruas.”

In Breve História de Portugal, de Raquel Varela e Roberto della Santa, Bertrand, pp. 244-246

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