UTOPIA, por Elisa Costa Pinto, autora e professora
Gostei muito de quase tudo nesta novela gráfica de RAQUEL VARELA e ROBSON VILALBA, que recria, de forma simples, mas não simplista, os últimos anos da fascismo, o 25 de Abril e sobretudo a atmosfera vivida no período que ficou conhecido por PREC.
Não é tarefa fácil essa recriação, sabe-o quem, muito jovem, viveu esse tempo por dentro e o recorda como a passagem para um tempo de esperança ilimitada, alegria colectiva e individual, um tempo de festa. De UTOPIA.
A novela tem uma dimensão ficcional, por isso, o ponto de vista de algumas passagens, como a do PREC, é maioritariamente, o de uma personagem, um militante de um determinado partido de extrena-esquerda que, infelizmente, na minha opinião, esquece episódios e protagonistas que foram mais importantes do que alguns que ele recorda e a que dá relevo. Mas a memória é assim, selectiva e pessoal, todos o sabemos, e uma personagem é uma personagem, não podemos intervir na sua focalização.
Esta subjectividade à parte, este livro tem a imensa vantagem da fuga ao discurso “oficial” da Revolução dos Cravos” que omite, quase sempre, a imensa e intensa energia e utopia dos muitos milhares de militantes de esquerda e sobretudo de extrema-esquerda que acreditaram ser possível a edificação de um país livre, uma “cidade sem muros nem ameias” como o Zeca nos ensinou a cantar:
UTOPIA
Cidade sem muros nem ameias
Gente igual por dentro gente igual por fora
Onde a folha da palma afaga a cantaria
Cidade do homem não do lobo mas irmão
Capital da alegria braço que dormes
Nos braços do rio toma o fruto da terra
E teu a ti o deves lança o teu
Desafio homem que olhas nos olhos
Que não negas
O sorriso a palavra forte e justa
Homem para quem o nada disto custa
Será que existe lá para os lados do oriente
Este rio este rumo esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir na minha rota?
(JOSÉ AFONSO)
NOTA: Estava a ler e a pensar nos muitos jovens a quem vou oferecer ou recomendar este livro.