Dépaysé

Os franceses têm um verbo que nos falta -dépaysé. Algo como “despaisar”, mudar de cenário, sair do lugar para poder voltar a ele. A rigor é um exercício não só ligado a férias, mas a sair das aparências, da espuma do dias, conseguir pensar além da conjuntura, treino mental para que todos os intelectuais deviam estar preparados. Sou professora por isso despaiso-me no mês de Agosto como os emigrantes e, havendo, não perco uma festa popular, como eles também. Trago 6 romances e já vou no terceiro, faz parte do meu despaisar deixar de ler notícias nas férias. Ontem abri, excepcionalmente, os jornais e assisto a um grande debate nacional, porque um grupo de manifestantes insulta de “assassino” (não fazem a coisa por menos) o responsável militar da coordenação logística de vacinação e este, Almirante (portanto, do qual em teoria se esperaria outro nível, já que representa o Estado), responde com o insulto de “negacionista” e é citado como uma grande resposta – toma lá, Bem feito, quem diz é quem é! Uma nau à deriva completa o meu querido país.

Quem dépaysé do estado da crise total em que Portugal se encontra perceberá, creio, que não é um caso ocasional – uma tempestade perfeita combina uma crise neoliberal que não conseguiu fazer face a uma situação de saúde pública pandémica, que arrasta consigo milhares de falências e desemprego, um Governo ansioso por receber um garrote de dívidas a que chama “bazuba”, uma oposição morta sem conseguir encontrar-se no presente, porque sem projecto futuro, jornais em crise à procura de partilhas nas redes sociais atrás de influencers relegando para um canto opiniões sustentadas, (críticas quase não há, mas mesmo quando são favoráveis à linha do Governo opta-se pelos mais superficiais), salários a caírem vertiginosamente para 70% (depois de despedimentos e novas contratações para a mesma função), e no debate público insultos mútuos das supostas duas partes em contenda – como se as únicas duas partes do país fossem representadas por estas fracções – de um lado o sempre presente Almirante Gouveia e Melo, que cedo perdeu a noção das suas funções logísticas e agora já dispara insultos como se estivesse num treino militar, e um grupo de meia dúzia de pessoas com actos desesperados, sem expressão organizativa ou qualquer coerência política, que o Governo de Costa, há anos sem oposição, inventou como oposição, e lhes chama “Negacionistas”. A criação não é bem dele – a ciência política desde 2008 tenta enquadrar este dado real, o neoliberalismo rebentou mas sem, até hoje, oposição sustentada que não sejam os neoliberais iguais a eles mas “negacionistas”, hoje das vacinas, amanhã do clima, ontem do progresso verde, da igualdade de género, etc. E, claro, todos temas elevados à condição de “sem debate”. Como se o mundo estivesse dividido entre o neoliberal educado (que desemprega mulheres e homens, vacinados e não vacinados, ecologistas e perdulários), e o neoliberal ignorante, que faz o mesmo só que diz umas barbaridades recorrentes. Todo o bom governo nos explica hoje “ou nós ou eles”, “não há alternativa”. Uma forma de “campismo” pós-moderno.

O PN é o Partido que faltava a Costa na oposição – um partido inexistente a que se atribui grandes feitos e ideias contra Costa, que sozinho e sem oposição aqui estará, qual Bonaparte, para gerir as dívidas da bazuca, a queda geral dos salários, até ao poço, porque baixos já estavam, as falências em massa, a crise do SNS, que mal começou, e a degradação da educação que galopa a olhos vistos, até para quem não despaisa. Portugal, quando te veremos dépaysé e faremos regressar a grande política?

7 thoughts on “Dépaysé

  1. António Costa é um espertalhão! Retirou-se mais uma vez de fininho do centro das responsabilidades, protegendo-se a si, à incompetência dos seus ministros e à própria DGS (ou serão todos a mesmíssima coisa?), atirando para os holofotes um militar cujos méritos no âmbito da organização não discuto. O resultado não poderia ser melhor (para António Costa, claro). Os portugueses gostam deste tipo de figuras, um homem trabalhador, fardado e pronto para arregaçar as mãos a tempo inteiro, com ele não há conversa intelectual ou palavras que não entendem, alguns até já pedem mais destes, “metam o homem a Presidente da República”!! Distraídos por estas manobras dignas de circo, lá vão vivendo como podem, aceitando todas as normas e códigos impostos porque não querem deixar de fazer parte de algo grande, de alguma coisa transcendente que os inclui no grupo dominante dos salvadores da nação e das vidas dos outros. Eu também não quero ficar à margem, só não o aceito a qualquer preço, sem que me expliquem porque sou um marginal por simplesmente colocar questões, algumas bem simples, e querer discutir um assunto com seriedade, recusando o circo, a chantagem e a coacção.

    A comunicação social então é de bradar aos céus. Quando vi ontem a forma como foi destacada a manifestação de duas dezenas de pessoas perante o nosso querido almirante não fiquei admirado mas não deixei de me sentir nauseado. 20 desesperados e ingénuos manifestantes que não sabiam bem o que estavam a fazer contra o salvador da pátria, pimbas! Grande título! Obscurantismo e negacionismo! Aqui estão eles, talvez um milhão representados por 20! Delícia jornalística, consolo governamental, melhor era impossível! Pena que não tenham dado o mesmo destaque aos milhares de manifestantes que mais uma vez encheram as ruas de França, pelo que pude ver e ler nos jornais franceses, devidamente organizados e bem comportados, colocando questões sérias através de cartazes e gritos de ordem contra a certificação digital dos cidadãos. Talvez quando passarem desesperadamente aos insultos e à violência (espero naturalmente que não aconteça) se tornem algo próximo de um destaque de abertura de telejornal.

  2. Ao ler o texto da Raquel, acertivo como sempre, fiquei sem saber de que lado da barricada ela se coloca (posição altamente confortável). Sim, porque com o manicaísmo galopante em curso, amplamente estimulado pelos media acéfalos e subservientes, o país foi dividido em dois, como convém a quem governa. De um lado os defensores da narrativa oficial e da vacinação massiva, doa a quem doer (os mortos pelas vacinas quem quer saber deles?) que sequer se precupam em justificar o seu posicionamento, tão auto-evidente ele se lhes afigura, e do outro os ignorantes e obscurantistas, os burros e perigosos a enxovalhar e a suprimir da vida pública com o tal certificado que não dá segurança nenhuma, pois, como se sabe, os vacinados podem adoecer e transmitir a doença. Mas isso que importa? O papelório diz que está tudo bem e a plebe aceita e confia.
    Então, mas se estamos perante uma doença gravem dizem-nos, há quase dois anos e ninguém fala em tratamentos nem preventivos nem curativos? A quem serve esse tabu????
    “You just follow the money, dear”

  3. Já agora, em jeito de comédia, deixo alguns possíveis títulos de jornais se o tratamento por parte dos media às medidas defendidas pelo nosso Estado, especialistas e companhia fosse equivalente ao tratamento que dão àqueles que questionam a narrativa e medidas impostas:

    “Negacionistas continuam a defender uso de máscara na via pública, mesmo depois de os contágios terem aumentado após a sua imposição.”

    “Negacionistas não conseguem explicar o gigantesco aumento do número de casos covid, comparando o Verão de 2021 com o de 2020, estando já mais de metade da população vacinada.”

    “Negacionista internado em UCI. Homem que só saía de casa para comprar comida e só retirava a máscara para dormir contrai vírus e pede, desesperado, para a população fazer caminhadas, apanhar sol e evitar o isolamento de forma a fortalecer o seu sistema imunitário.”

    “Especialista negacionista previa há 3 semanas 17 000 casos diários de covid em Portugal à data de hoje. Contam-se 3000.”

    “Um grupo de especialistas negacionistas defendeu o uso do certificado digital, no mesmo dia em que um surto foi identificado num lar de idosos, onde 100% dos seus utentes, todos vacinados, acusaram positivo.”

    “Forças policiais negacionistas interrompem festa de 40 jovens adultos na praia. O grupo, proveniente de uma empresa onde trabalham diariamente 400 trabalhadores, festejava um aumento salarial de 0,1%.”

    Giro, não era? Nem por isso… Mas é exactamente o que tem sido produzido pela esmagadora maioria da imprensa nacional e internacional, apenas mudando de lado no que à narrativa diz respeito.

  4. PA ESSES coviidiotas que cegos que agora confiam muito nas autoridades de saude so tenho um nome pa esses ignorantes harold shipman eantes que me chamem de negacionista nao nego nem nunca irei negar a existenxia de virus ou bacterias alias quando andava na seita um homem a porta uma vez me disse somos nos os virus e hoje na biblioteca a mulkher disse que na altura da gripe normal o pai tomou a vacina normal contra a gripe depois apanhou frio e pnemonia e morreu semanas depois

  5. “Desaprender” é a necessidade que temos de ver o belo, “desaprender” é a inteligência, é o que nos torna eternos, é a capacidade que nos mantem vivos. A coerência é por vezes uma obvia demonstração de envelhecimento e da incapacidade de percepcionar o que o igual tem de diferente.

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