O Pardal e Ave de Rapina

O sindicalismo em Portugal teve uma fase corporativa (1933-1974) e outra neocorporativa (1986-2013). A fase neocorporativa começa com o nascimento da Concertação Social, que só foi possível devido à derrota da Lisnave. Na minha opinião essa fase terminou em 2013 (tenho vários livros sobre isto, por exemplo o sobre Segurança social, Estado e Trabalho (Bertrand, 2013). O Ministério Público está autorizado a opinar – e até ilegalizar – sindicatos por causa de estatutos é uma herança corporativista em que o Estado se imiscui onde não deve. Se eu amanhã decidir fazer uma associação qualquer de defesa de direitos laborais ou de jogar à carica o Estado não deve sequer saber dos meus estatutos – só os associados. Se os estatutos são maus a responsabilidade e as consequências são para os associados, os acertos e os erros são para quem paga quotas.

Sou tão convicta desta minha tese que já me pronunciei, quando questionada, contra ilegalizar os sindicatos amarelos que são financiados por patrões. Nunca fui a favor de ilegalizá-los – se o MP fosse investigar e seguisse o dinheiro ia ver quem paga as sedes e os advogados desses sindicatos, que aliás todos os envolvidos conhecem bem (mesmo quem está no Governo não pode – alegadamente – ignorar a sua existência). Sei que esse sindicalismo é um tiro no pé para os trabalhadores que o apoiam. Mas acho ainda pior que seja o Estado a ir cuidar que os trabalhadores não sejam manipulados pelos patrões. Porque isso permite ao Estado entrar onde não deve, num sindicato, nas suas contas, legitimando que aquilo que hoje é feito contra maus sindicatos passe a ser feito contra bons sindicatos.

O MP não actuou anos em queixas destes trabalhadores, com provas de tacógrafos e recibos de “ajudas de custo”, não actuou quando o Governo actuou ilegalmente na greve, e agora, com uma rapidez nunca vista, a uma semana da greve, vai ler os estatutos dos sindicatos e promete ilegalizá-los. Caminhos para uma Sergio Morisse da política? Em que o MP actua por recados do Governo? Isto é bom para a democracia portuguesa?

E tenham paciência em vir-me falar do Pardal. Nunca foi nem nunca será tema das minhas reflexões. O Pardal foi a desculpa mediática para se derrotar uma greve justa de homens que vivem do trabalho. Tanto o usaram que ele agora passou a querer ser usado. É um assunto pelo qual tenho interesse zero.
Este novo sindicalismo está no começo, os trabalhadores não sabem o que fazer nem como fazer, vai haver muitos pardais, até que aprendam. Mas quem se comportou não como pardal mas com o poder de uma ave de rapina no caminho foi o Governo e o Estado. Fizeram de tudo para destruir a luta por salários decentes que estes homens, inexperientes, levam a cabo. Foi e é uma luta de David contra Golias. Isso não está nem nunca estará escrito nos estatutos, porque uns estatutos são um pedaço de papel aborrecido incapaz de transmitir a vitalidade da realidade social.

6 thoughts on “O Pardal e Ave de Rapina

  1. Como dirigente de sindicato da AP, independente, também somos ensanduichados pelos sindicatos do regime afetos à CGTP e UGT. Mas não desistimos. Bem haja pelo seu trabalho.

  2. Bom dia.
    A minha questão, genérica, prende-se com a legalidade: fará sentido querer usar ferramentas legais ferindo a lei que as suporta?
    A legitimidade de tal lei é discutível, concordo plenamente e ainda mais quanto à ingerência do Estado na matéria (como noutras). Mas não se pode dizê-la ilegítima e ainda assim invocá-la mas só para cumprimento parcial.

    Como diz, é uma luta de David contra Golias, e David sai fragilizado também por isto – todos os erros são brechas.
    Mas discordo de que os erros sejam deles e de que tenham de os cometer para com eles aprender: neste momento em que tanto está legislado, há flancos que não deviam ser dados.

  3. Raquel, se consultar a minha página de Facebook, “esmiucei” este processo de dissolução com base na minha experiência de dirigente sindical da AP – Administração Pública, Sindicato dos Trabalhadores do Município de Oeiras e, passo a passo, desmonto, as irregularidades apontada pela DGERT / MP (as que vieram a público), o princípio e fim das formalidades legais.
    O artigo 8.º do estatutos do SNMMP estabelece a forma de admissão dos associados, podendo ser admitidas pessoas singulares que “Desenvolvam atividades de interesse ou interligadas com os objetivos e fins da associação sindical” (n.º 2, alínea c). E Pedro Pardal Henriques integra-se, integrava-se nesta alínea.
    Se os estatutos passaram no crivo da DGERT e do MP, não há razão legal para este pedido.

  4. Assistimos à tentativa de recorrer a meios judiciais para porem em causa o Direito à Greve em varios casos , mais que tentativa constitui um facto, uma manobra com a cumplicidade pelo Poder de orgaos de Justiça, não só neste caso como em relação com os enfermeiros em que o vislumbre do Apoio da Bastonaria à justissima greve dos Enfermeiros é motivo para justiçar a Bastonaria! Ao que chegamos

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