A “pátria nacional do Capital”

Nada contribuiu tanto para o descrédito do marxismo como a sua interpretação ter ficado na mão de aparatos fiéis à URSS numa versão dogmática e mecânica que nada tem a ver com a obra de Marx. A frase o capital não tem pátria – que até o Jornal de Negócios cita! – nunca quis dizer que o poder dos Estados se tinha diluído num qualquer poder multinacional. Não era para dizer que as empresas não tinham o seu Estado mas que estavam dispostas a acumular em qualquer parte do mundo. Empresas chinesas, norte-americanas, alemãs, portuguesas são e continuam a ser empresas nacionais – as grandes e as pequenas filiais – mas acumulam em qualquer pedaço do mundo ou, se possível, em Marte. Cada empresa é rigorosamente controlada e protegida pelo seu Estado, se necessário, com exércitos na frente. E nem sequer é necessário terem a maioria do capital para serem nacionais de um país. As chinesas são chinesas e quando chegar a hora de uma nova crise cíclica norte-americana vêm cá buscar o capital, que não lhes vai também servir de nada porque os EUA vão deixar a China – que toda a gente apregoa como um novo poder – de rastos porque essa lei extraordinária que todos os escribas de economia ignoram olimpicamente, e por isso não conseguem explicar nada, a da queda tendencial da taxa de lucro, actua, quer gostem quer não – os custos com o trabalho na China estão, como se sabia, a subir vertiginosamente e a acumulação na China é baseada nisso, na exploração da força de trabalho física e uma pequena subida desses custos implica a implosão do modelo de acumulação chinês. A única notícia boa será, se se concretizar, uma revolta massiva do maior exército de trabalhadores do mundo. Pode ser que a aí, os da Europa, acordem.
Última nota rápida – não existe dinheiro em paraísos fiscais: os paraísos fiscais não têm lá dinheiro parado, são uma forma de fuga aos impostos mas o dinheiro não está lá, está investido em empresas, com quotas nacionais claras, chamadas de multinacionais, títulos da dívida pública e fundos de pensões de empresas, todas elas com passaporte. A mesma empresa que foge daqui para um paraíso fiscal no mesmo dia investe esse valor em títulos da dívida pública aqui, cuja remuneração bem sucedida depende de cortar mais salários e despedir mais funcionários públicos.
O assunto é sério – anda-se há muito tempo a lutar contra poderes imaginários para desculpar a inércia e a cobardia interna. A EDP, capitalizada pela população enquanto empresa pública e a seguir privatizada, por exemplo, não é um problema chinês, é um problema de falta de força política para expropriar a sua propriedade, aqui, a alguns metros de nós, e não num paraíso. É uma questão de luta contra o Estado português, que é o guardião destes negócios. Pedir ao Estado para regular tudo isto é pedir ao lobo para guardar as ovelhas. E, pior, é não ver que o país está a ser literalmente destruído.
Um dos grandes académicos argentinos fez este livro, Atilio Borón, aqui em acesso livre, onde põe em causa toda a teoria de Negri sobre o Império, em que este argumenta a suposta diluição do poder dos Estados e a famosa teoria do “capital sem Estado”, um absurdo, mas como muitos outras teorias sem chão, dominante na comunicação social e relativamente forte na academia.

Ler também sobre este tema Raça Empreendedora de Raquel Varela e Para que servem as “lojas chinesas” à República Popular da China? de Renato Guedes

http://lahistoriadeldia.wordpress.com/2009/11/12/atilio-a-boron-imperio-imperialismo-descargar-libro/

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