As pessoas perderam o sentido de comunidade. De solidariedade. Recentemente despedi-me na casa de uns amigos e disse “agora é a nossa vez retribuir”, um dos presentes disse “nem pensar”, como se eu estivesse a oferecer um pagamento. Um amigo nosso que estava presente, filósofo, lembrou logo que a minha expressão remontava a um sentido de comunidade, e não de pagamento. Que a palavra retribuir é lindíssima. Em pequena as minhas avós obrigavam-me sempre que ia para casa de alguém levar prendas, e comida. Eu morria de vergonha e tentava demover a parte da comida. Imaginem chegar a casa de alguém com leite, marmelada! Por favor avó, não – a luta era ainda mas dura com a minha avó cuja casa era no campo, numa aldeia, onde ninguém escapa ao sentido do trabalho e nasceu sabendo que a comunidade era a nossa salvação individual. A minha avó não era pobre mas sabia que o sentido da vida é colectivo, relacional, é nas relações que repousa a nossa felicidade. “Não vais lá fazer despesa” – era a resposta, inegociável. A minha mãe, urbana, de uma profissão internacional e altamente qualificada enfiava-me em plenos anos 80 comida nas malas, lembro-me de chás que vinham do estrangeiro com ela, e outros itens então exóticos. Levei anos a perceber o sentido disto. O sentido era o de retribuição. Recentemente um amigo dos meus filhos veio cá dormir e a mãe ligou-me agradecendo e dizendo que ele só vinha cá “incomodar, e fazer despesa” -, há anos não escutava tal expressão! Acrescentou logo que agora eram os meus a ir lá. Fiquei feliz de ouvir aquilo. Agradecer não é só um gesto de palavras, é de actos.
É por isso que devemos convidar para jantar quem nos convida, porque estamos a retribuir o trabalho, o tempo que aquelas pessoas nos dedicaram; é a mesma razão porque calculamos mais ou menos – eu faço-o – se vamos jantar 2, 4 levamos um vinho e uma prenda, algo que retribua o jantar de 4, não pela totalidade – isso só quando convidamos de volta – mas como forma de ir agradecendo, retribuindo. A prenda que damos é na verdade um circuito fechado de cooperação – em que recebemos e damos, de acordo com as capacidades de cada um. Confesso que este princípio se transformou em lei para mim, por exemplo, não convido quem não me convida de volta, o que é raríssimo, felizmente, mas encontramo-nos fora, para um copo, só convido quem me convida. O mais importante é que tenho uma lista dos amigos que me convidam e cuidam de mim, a lista chama-se Retribuição. A Retribuição é um lembrete do meu moderno iPhone onde está uma lista de aldeia, onde repousa uma ideia de comunidade, onde estão os nomes dos amigos, quando tenho que os convidar, de quando me devo lembrar deles, tenho ainda o cuidado de memorizar o vinho que mais gostam, um petisco que adoram, para lhes fazer no dia em que vêm cá, para eu retribuir. E nem sabem o prazer que isso me dá – vou com alegria à praça cedo de manhã e ando entusiasmada à procura daquele queijo, aquele…
Gostei do artigo ! é preciso recentrar as coisas … naquilo que interessa! Marcel Mauss em “Ensaio sobre a dádiva: forma e razão da troca nas sociedades arcaicas, (1925)” …. explica isso bem!
As modalidades de trocas nas sociedades não são apenas coisas do passado, são fundamentais para se compreender as sociedades modernas!
Se quiseres aparecer para dançar ou cantar, durante a semana estamos no anagrama.
Qualidade do que é recíproco. Igualdade em sentido estrito e circunscrito ao “eu” no centro de todas as coisas. Sentido de pertença – mais de mim – exclusivo, particular, ao meu alcance.
Fazer o “bem” faz-nos felizes mas não nos torna maiores. É pouco dar aos outros o que somos, é mais humano dar o que conseguimos ser.
Bom dia. Pois parece ser assim. Vivemos numa cultura de “eus” relação comigo próprio, ser a pessoa mais importante antes de tudo e Incentivos e palestras e cursos mecanizados de empreendedorismo. Está na mora tirar cursinhos rápidos e dar cursinhos rápidos de sucesso. Fazem nos ser acima de tudo o que temos o que fazemos e o que pensamos entre outras coisinhas.
O nós é relegado…
É assim. Por acaso ontem fui jantar com amigos. Levei geladinho do bom .
Se me convidam para jantar, levo vinho. Procuro que seja um vinho razoável e, de preferência, uma daquelas “descobertas” que vai surpreender quem o beba!