Não me revejo no feminismo dominante, cujo epicentro é agora Hollywood. Não me representam. Oprah Winfrey – conservadora, bilionária, líder de programas “lixo”, juíza em directo, sem garantias de protecção de direitos dos acusados – não é a minha heroína. Ser negra e mulher em nada atenua o facto de que é um ser humano, disposta a fazer justiça sem provas, em nome de todos, uma espécie de Maria Antonieta dos tempos modernos, a líder moral que decide sozinha quem é culpado e quem é inocente, de preferência em directo na TV. Mais do que coragem ela reflecte a profunda decadência das sociedades ocidentais em que os media substituem os tribunais. Não muito longe de Trump nos métodos, essa é a dura verdade da crise de civilização norte-americana. Não a autorizo a usar-me, como mulher, para o seu exército.
Quero deixar a minha opinião inequívoca sobre isto por mais que incomode tanto o fanatismo actual que confunde luta de ideias com imposição de ideias.
Uma operária violada, como conheci centenas de casos relatados no estudos que fiz sobre o final do salazarismo, porque dependia do trabalho para alimentar os filhos, não pode – não pode jamais – ser equipada a uma estrela que está 20 anos calada para ganhar milhões e nesses 20 anos é fotografada sorridente ao lado daquele que hoje diz que a agrediu sexualmente durante esses 20 anos. Estas mulheres são em primeiro lugar vítimas da sua ambição e é acintoso, imoral comparar operárias ou trabalhadoras que sofreram na pele o terror sexual em nome da sobrevivência, a estrelas à procura de um lugar de topo na carreira mais competitiva do mundo. Eu não sorrio ao lado de homens que me ameaçaram, sexual ou moralmente, sejam eles directores, reis, presidentes ou operários. E não é porque eu sou uma mulher forte que teve a sorte de nascer num lugar confortável, é porque eu tenho balizas morais e princípios claros na vida. Conheci muitas mulheres, por razões de trabalho sobre a revolução dos cravos, como eu, aprendi muito com elas. Com a diferença que que eram pobres, miseráveis algumas, e mesmo assim colocaram uma linha a partir da qual não passavam. E conheci o contrário, muitas que nasceram em berço de ouro dispostas a tudo. Lamento, mas como mulher, não acho que todas as mulheres estão no papel de vítimas. Há muitas mulheres no mundo que fazem parte do jogo de dominação e desigualdade da sociedade actual e que estão a cavalgar uma situação real – a desigualdade de género – para disputar espaço nas carreiras pondo assim em causa uma das mais nobres causas que temos, a luta pela igualdade social.
A disputa por chegar a lugares de topo das estrelas, gestoras e outros quadros que está a levar a uma substituição da (falhada) “justiça burguesa” pela ainda mais falhada justiça medieval não tem o meu apoio. Sou mulher, defendo uma sociedade igual, mas não acredito na difamação – sem provas, advogados, julgamentos e presunção da inocência – como arma contra o machismo. A maioria dos quadros hoje nas universidades são mulheres, são impedidas de ter uma participação igual aos homens nas decisões porque os homens usam esses lugares de poder para, através do assédio, impedir que os seus lugares fiquem em risco por mulheres jovens e dinâmicas, multifacetadas, e muitas vezes – por experiência própria vejo-o – , mais brilhantes e dedicadas que os homens. Tudo isso é verdade e a sociedade paga um preço alto por isso.
Mas nada disso autoriza a uma nova onda inquisitorial em que os justos pagam por pecadores. Lamento, como mulher, que aquilo que era uma esperança, um movimento de mulheres sério e empenhado em luta pela liberdade e justiça seja dirigido hoje não pelas mulheres clarividentes que conheço neste campo, mas por arrivistas sociais movidas pelo ódio contra os homens. Não me representam.
Para derrotar o machismo é preciso, como se diz em Portugal, ter classe, frase que tem um duplo sentido que gosto muito – remete para a classe como origem social e para a classe como atitude moral. E eu na verdade não gosto nada de gente sem classe.
Completamente de acordo, em tudo!
Excelente!
Muito bem!
Como sempre, põe o dedo na ferida, fazendo uma belíssima análise ao ”béu-béu” em voga.
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Acima as mulheres emancipadas, que se respeitam, bonitas, educadas e com classe e abaixo as alienadas, ressabiadas, traumatizadas, feias, oportunistas e desclassificadas. Espero… lol
De um lado existe a misogenia, e esse ódio aos homens também tem nome, que se use: misandria. É disso muitas vezes que se trata.
Cara Raquel Varela, li o seu texto sobre as actrizes que acusaram o Weinstein. Senti um asco tremendo. Uma vontade de vomitar. Quem é você para dar lições de moral sem conhecer as circunstâcnias em que essas actrizes foram vítimas desse estafermo? A sério, adoro estes heroísmos online de meia-tigela do tipo “ah, se fosse comigo” e as acusações a essas atrizes de “nunca terem feito nada antes”. É tão fácil criticar, não é? Mas aposto que quem as critica faria exatamente o que elas fizeram: aguentar e calar. Mas pronto, como são actrizes – e não umas pobres operárias – caem-lhes em cima – como faz a Raquel Varela, que pode conhecer de gingeira o mundo operário, mas duvido que saiba como funciona o mundo de Hollywood 😉 ; é o que dá falar sem conhecimento de causa.
Quando elas foram vítimas do Weinstein, eram jovens e desconhecidas. Explique-me lá: como é que se denuncia alguém tão poderoso como o Weinstein sem ficar com a cabeça a prémio? E quem iria acreditar nelas? Seriam consideradas intriguistas e outras coisas piores, como foi o caso da atriz italiana Asia Argento. Aliás, algumas actrizes como a Ashley Judd e a Mira Sorvino ficaram com as carreiras arruinadas. A empregada que o denunciou não tinha provavelmente nada a perder. Se ela o denunciou, é porque provavelmente teve a possibilidade de encontrar um outro emprego. E provavelmente tinha o apoio de quem acreditava nela. E ainda bem para ela. Era tão bom que as coisas fossem sempre assim para todas as mulheres que foram alvo de assédio sexual, independentemente da sua classe socio-económica. Quanto à campanha no Twitter, que eu saiba, nenhuma mulher indicou o nome de quem a abusou (tirando a mulher que denunciou o Tarik Ramadan, um pensador muçulmano muito controverso). E vêm agora falar de Inquisição?? Quanto à Oprah, não vou comentar. Não sou fã dela e não vejo os programas dela nem me interessa. Criticam-na por querer alegadamente candidatar-se à presidência dos Estados Unidos. Que eu saiba, não é nenhum crime. Se ela ganhar (o que me parece improvável, mas enfim, depois do Trump tudo é possível), falhará como todos os outros: não conseguirá pôr fim às injustiças sociais e cederá à “realpolitik” em termos de política estrangeira.
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É tão giro dizer “Eu não sorrio ao lado de homens que me ameaçaram, sexual ou moralmente, sejam eles directores, reis, presidentes ou operários. E não é porque eu sou uma mulher forte que teve a sorte de nascer num lugar confortável, é porque eu tenho balizas morais e princípios claros na vida. Conheci muitas mulheres, por razões de trabalho sobre a revolução dos cravos, como eu, aprendi muito com elas”.
A Raquel é tão gira, mas tão gira… acusa a Oprah Winfrey de fazer juízos morais sobre os homens acusados sem provas, mas faz o mesmo em relação a ela e às atrizes que denunciaram o Weinstein – como se fosse fácil a uma mulher acusar um homem de violação ou assédio sexual sem esperar vinte anos para o fazer!
Diz que nunca sorriria ao lado de homens que a ameaçariam e que não é por ser uma “mulher forte” que nasceu num “lugar confortável”. Pois claro que não! A Raquel não passa de uma menina benzoca armada em defensora do proletariado, mas nunca sofreu como sofreram e sofrem os operários. E ainda bem para si. Mas quando diz que nunca sorriria ao lado de homens que a ameaçariam, é melhor ficar caladinha e não dizer “desta água não beberei”. Porque, infelizmente, nunca se sabe o que pode acontecer no futuro. A vida reserva-nos muitas surpresas, nem sempre agradáveis.
Normalmente concordo com muitas publicações suas e não hesito em lhes dar um “gosto”, mas neste caso não posso. Porque é muito fácil mandar bitaites quando se tem uma vida confortável e estável.
Eu, como trabalhadora independente, tenho uma certa liberdade em recusar certas condições de trabalho, mas é difícil. Muito difícil. É difícil ter clientes que aceitam os preços das minhas prestações. Tento não ceder aos preços baixos (o pão nosso de cada dia na área da tradução e das aulas de línguas) para poder viver dignamente do meu trabalho, mas é um ver-se-te-avias! Muitos clientes (especialmente os organismos de formação e as escolas de línguas) pagam-me o que querem e quando querem e se eu não aceitar, azar o meu! Por isso, lamento, mas tenho dificuldades em aceitar sermões dados por pessoas bem instaladas na vida.
Já agora, a Raquel sabe o que é ser vítima de assédio sexual? As vítimas ficam num estado de sideração total, sem saber o que fazer. Falo por experiência própria. Como é que a Raquel pode gostar de um texto como o das 100 mulheres francesas, que acham que o assédio sexual não é nada de grave? Sabe o que é a sensação de humilhação de ser apalpada ou de sentir um estafermo a roçar-se contra si? Sabe o que é ser seguida na rua por um desconhecido? Sabe o que diz a Catherine Deneuve do Weinstein? É um homem que “gosta demasiado das mulheres”. Não! O Weinstein é viciado em sexo e as pessoas viciadas só pensam na satisfação das suas pulsões e não querem saber de ninguém. Quanto às actrizes que o denunciaram, elas eram jovens e desconhecidas. Se agora as acusam de oportunimo, como teria sido se elas o tivessem acusado há vinte anos? Teria sido muiot pior.
Por muito que a Raquel tenha razão em certas coisas, eu, que sou filha da classe operária e não uma menina benzoca armada em defensora dos oprimidos, recuso-me a ser representada por si. Prefiro mil vezes os Precários Infliexíveis e o movimento “Ganhem vergonha”. Ah, já agora, não insulte as mulheres com as alusões à Camille Paglia, que acha que as mulheres que apresentam queixa contra abusos sexuais são umas piegas. Fico por aqui. Boa noite para si.
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Écrivez un message…
Não há nenhuma empatia com aquilo que escreve. É assim. Nem pode haver.
Estas mulheres que agora se armam em inquisidoras foram no passado umas prostitutas. Venderam, como agora se diz – prazer. Dantes dizia-se que vendiam o corpo. Afinal também é errado. Prostituíram-se, portanto, segundo afirmam, a troco de uma carreira, ou a troco de a defenderem. Não foram melhores que ele ou eles.
Uns vendem outros compram. Neste momento em que escrevo alguém se vende e alguém a compra a troco de favores. Cá e lá. Ajudas! Mas depois não venham com falsos moralismos e sem provas julgar pela cartilha reacionária das redes sociais e de acordo com a bíblia neo-qualquer-coisa-pouco-recomendável.
É por estas e por outras que desde criança ouvia em minha casa dizer que ser actriz não era uma profissão para meninas bem educadas.
Ora aqui está um texto bem mais interessante do que o original. Obrigada C. Excelente contra-argumentaçao. A amiga Raquel provavelmente tem que ler um pouco mais, treinar a assertividade (e não pseudo-assertividade, que disso está o mundo cheio) e ter mais conhecimento de causa, ou então se quer tomar partidos força nisso! mas a hipocrisia é uma coisa muito feia e aí ninguém está a ser melhor do que ninguém. Quando não há nada de jeito para se dizer vale mais ficar-se no silêncio… E eu por norma costumo faze-lo, mas ao mesmo tempo não posso ver tanto aplauso a uma má obra e, depois, quando alguém se dá ao trabalho de refutar só se ouvir o ruido do nada. Mais uma vez C, excelente opinião. DAN
Olá Raquel Varela.
Vi com muito interesse o programa da RTP “Prós e Contras” onde participou, sendo o tema #Me Too.
Como homem, tenho sentido que a sociadade feminina olha para mim como um agressor e violador; caso me conheçam, talvez me dêm a hipótese de mostrar o contrário, mas logo à partida o veredito está dado.
Ao ouvi-la neste programa, vi luz ao fundo do túnel. Quem sabe, nem todas as mulheres se deixem influenciar pelo que está em voga e, realmente, pensem por suas cabeças.
Acho nojento, pensar que alguma vez um homem tenha abusado da minha avó, da minha mãe, das minhas três irmãs, da minha mulher e quem sabe, venha a acontecer com a minha filha…. perdia a cabeça, de certeza.
Aos meus dois filhos (rapazes) não vou deixar a herança que os nossos antepassados deixaram. Sim, é verdade, muita maldade aconteceu a ainda acontece. O caminho está, não só na educação, mas também no exemplo e ambos dão tanto trabalho….., mas tem que ser!
Às vítimas, as verdadeiras, compreendo toda a raiva que nos têm, só porque somos homens. Compreendo mas não aceito, porque muitos tal como eu, não são assim!
Termino com um bem haja, pela sua clarividência, dizendo o que tem de ser dito “doa a quem doer!”
“Uma operária violada, como conheci centenas de casos relatados no estudos que fiz sobre o final do salazarismo, porque dependia do trabalho para alimentar os filhos, não pode – não pode jamais – ser equipada a uma estrela que está 20 anos calada para ganhar milhões e nesses 20 anos é fotografada sorridente ao lado daquele que hoje diz que a agrediu sexualmente durante esses 20 anos”, você deve achar-se muito defensora dos pobrezinhos, mas na verdade é só misógina. Lamento, mas considerar que as mulheres ricas não são violadas e que é imoral estar calada por dinheiro (porque não tiveram opção na altura, nem têm o poder de um homem) é ser machista. Espero que nunca seja violada, porque nesse dia quero ver se continua com as mesmas convicções.
A sua participação no Prós e Contras envergonha-me enquanto mulher. Defendeu a importunação sexual, culpabilizou a vítima a torto e a direito, disse que as pobrezinhas que saem a horas tardias são violadas mas as ricas não (???), defendeu os homens como se quisesse levar toda a população masculina para sua casa, e disse a frase mais machista de todas: é preciso pensar nos homens que se suicidam depois de matar a mulher. Espero que se retrate, no mínimo, quanto a esta frase, porque é asquerosa.