Bolachas e o Estado Social

Hoje fui dar, a uma escola básica, uma aula de história da educação.
Mas comecei pelo básico:

Conquistei o público rebelde com 80 bolachas de chocolate, coloquei 10 do lado esquerdo e 70 do direito, do lado esquerdo quem ganha o salário mínimo, do direito o extremo oposto, quem é muito rico, tirei uma bolacha a cada lado e coloquei na caixinha do Estado Social/Escola – assumindo que ninguém foge aos impostos – e perguntei-lhes: “quem paga mais”? Não tiverem dúvidas, responderam em coro, o “que ganha menos”.

Quem é mais pobre ou vive do trabalho com salários médios e mínimos paga mais e tem menos acesso à escola. Porque a maioria dos impostos são regressivos e não progressivos. Não é justo – disse-lhes, acho que devem questioná-lo pela vida fora, eu faço-o – mas pior seria, além disto tudo, estarem ali e não aprenderem porque falam, gritam, não ouvem.

Os vossos professores, eu e os vossos pais, pagamos esta escola, e o que vocês devem devolver é, no mínimo, com dedicação à aprendizagem. Felizmente já não estão a trabalhar como em 1697, quando John Locke estatuiu que os filhos dos pobres deviam trabalhar parte do dia, a partir dos 3 anos de idade.

Que hoje, por muitas razões – revoluções sociais, desenvolvimento científico, etc. – vocês podem estar até aos 22 anos sem trabalhar, a estudar. E estudar é devolver uma pequena parte do que vos dão quem paga o ensino por 22 anos. A direitos – justos – correspondem deveres – justos também.

Uma sala de aula é um lugar colectivo, se deixarem até um cão sozinho ele fica triste, imaginem se for um humano, só. Somos gregários, uma cobra, e parte da vida os ursos, vivem sós. Nós precisamos dos outros para sermos felizes. Viver em sociedade exige porém abdicar de uma parte de nós para aceitar regras comuns. Uma delas é que não nos tratamos como animais – discordamos, não ocultamos diferenças, mas com delicadeza.

Que há 3 critérios fundamentais para ter sucesso escolar: dormir, comer bem e descanso do cérebro – nos intervalos devem correr, pular, brincar e não jogar polegar (telemóvel). A fome, ancestralmente, está nos nossos genes, mexe com os instintos, comemos mais do que devemos para armazenar do tempo em que éramos caçadores recolectores. Ficamos nervosos com fome, mais tarde catatónicos. Têm direito a lutar por uma cantina com comida decente – direito não, dever ! porque desde que foram sub contratadas a empresas a comida é um horror!- mas têm obrigação de comer; e não podem reservar senhas – pagas por nós, mais uma vez – e não ir comer. Antes do teste comam 2 bolachas, dei como dica.

Que devem questionar o que vos faz mal – peso nas mochilas, horários longos, falta de períodos de descanso, falta de espaço nos recreios, programas extensos e tudo o mais – mas não podem nunca ser rudes para quem está aqui para vos ensinar. Reunam-se, debatam, conversem e votem decisões, comuniquem-nas à direcção, mas não façam assédio público a professores, funcionários ou colegas – isso destrói a vida civilizada e faz mal a todos.

Usem os telemóveis para marcar encontros: jogar bola ao final do dia, piquenique ao fim de semana, é para isso que serve um telemóvel, para marcar o ponto em que nos vamos juntar e brincar.
O sentido da vida são os afectos.

Concentrem-se e estudem – não há comprimido da memória de elefante que substitua o trabalho, o pensar, a memória, o caminho magnífico do nosso cérebro em direcção à aprendizagem. Não é instantâneo como o jogo de telemóvel – leva tempo, mas a recompensa é grande – o saber.

E a aula continuou…Falaram, perguntaram, riram, conversámos.
Foi uma experiência de mão cheia. Os miúdos merecem que não desistamos deles. No fim ganharam bolachas. E eu ganhei o dia, parece até que começou a Primavera.

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